AMAURI MEIRELES ANALISA O “CASO LÁZARO”

CASO  LÁZARO

(*) Amauri Meireles

A mídia nacional, em geral, e a mídia goiana, em particular, têm dado muita ênfase a uma caçada a um psicopata (recém-promovido, pela imprensa, a serial killer), que teria assassinado quatro membros de uma mesma família na cidade de Ceilândia. Em seu prontuário, consta um rosário de crimes, tais que roubos, homicídios, estupros, porte ilegal de armas, além de três fugas de estabelecimentos penais.

Para sua captura foi montada uma força-tarefa, um aparato envolvendo mais ou menos 200 homens, equipamentos e armamentos sofisticados, inúmeras viaturas, helicópteros, cães farejadores. A operação é desenvolvida tendo, como origem, o material disponibilizado pela inteligência policial que, por sua vez, ampliou sua rede de informações e de informantes.

A mídia tem mostrado que o próprio secretário de segurança de GO estaria no terreno, comandando diretamente as operações.

A vida na sociedade brasileira tem vários episódios semelhantes!… Não é raro um indivíduo, que comete um crime violento, ser rastreado (em estado de flagrância) pela polícia militar ou investigado pela polícia civil e, dependendo de circunstâncias factuais, uma força-tarefa é designada para atuar no caso, sem que a imprensa “participe” da operação.

Em Minas Gerais, um fato bem emblemático ficou conhecido como “o caso dos irmãos Piriá”. Dois irmãos criminosos colocaram em sobressalto a região circunjacente à cidade de Sete Lagoas, com ações de ataque violentas e de fugas ousadas, atualmente repetidas pelo facínora procurado em Goiás. Foi montada uma equipe, integrada por um oficial e sete praças (com experiência, minimamente, em informações, rastreamento, orientação). Poucos dias depois, catalogando os hábitos e os vícios dos marginais, ocupando pontos de comandamento e mapeando o deslocamento (quase em círculo) daqueles, os policiais visualizaram os facínoras, que morreram, após breve troca de tiros.

Mais atrás, na década de 30, ficou famosa a caçada ao bando de Lampião, que culminou com a morte do Capitão Virgulino (a patente foi dada pelo exército patriótico, para ele combater a Coluna Prestes), de Maria Bonita e mais nove cangaceiros, de um grupo, aproximadamente, de quarenta integrantes. A “volante”, comandada pelo Tenente João Bezerra, da PM Alagoas, através de informações, localizou o bando e, embora em menor número, utilizou o fator surpresa e a superioridade de fogo (utilização de metralhadora), ainda que estivesse em Angicos, terreno sergipano.

No plano internacional, lembram-se alguns casos que, inclusive, deram origem a filmes, como Jesse James, Bonny e Clyde, Butch Cassidy e Sundance Kid, dentre outros. Morreram em confronto com a “polícia”. Um ponto comum entre todos eles: eram psicopatas!

Se se analisar os casos de Minas Gerais, de Lampião e o atual, em Goiás, constatar-se-á que, nos dois primeiros, foram fundamentais a coleta e a organização das informações, além de a discrição ter contribuído para aplicação do fator surpresa, que foi fundamental para sucesso dessas operações.

Não se conhece a estratégia da secretaria de segurança de Goiás, mas, certamente, o fator surpresa ficou comprometido, o que pode retardar o desenlace da missão de captura.

Além do mais, é importante ressaltar que o intermitente e persistente noticiário sobre as ações desenvolvidas para captura do marginal, até então, sem êxito, assim como notícias especulativas de como ele estaria “logrando” a polícia, aumentam a sensação de insegurança na população. Essa elevação se dá porque a insegurança subjetiva é impactada, em razão da Síndrome de Violência Urbana ou Síndrome de próxima vítima, que pode afetar grande parte da população local.

Em paralelo, pode disseminar-se a Ilusão de Isotopia (sensação de estar no local onde está ocorrendo o evento ou de que, no local onde se encontra, irá eclodir fato idêntico àquele), o que pode atingir outras cidades e, até, outros Estados.

Discutível a decisão do senhor Secretário de Segurança de Goiás de adotar o comportamento de “liderar a partir do fronte”, cujo prócer foi o General Patton. Lembre-se, porém, que esse general era operacional, de execução, comandava um exército, ou seja, não era o chefe do departamento da defesa nem secretário (comandante) do Exército, que coordenavam e comandavam, respectivamente, do gabinete ou do centro de operações.

Simultaneamente, surge a lamentável notícia de que, há poucos dias, no Rio de Janeiro, dois policiais militares foram executados em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Ao que parece, bandidos chegaram de surpresa, mataram os policiais militares covardemente e fugiram com suas armas. Alguns órgãos da imprensa noticiaram, de relance, apenas de relance, o afrontoso acontecimento que, à distância, nos parece, se banaliza de forma diretamente proporcional à frequência com eu isso ocorre.

Duas equações podem ser montadas, considerando-se os dois fatos.

Um psicopata, com extensa e sangrenta folha corrida, após matar quatro pessoas de uma mesma família, em Ceilândia, é caçado por uma qualificada força-tarefa, comandada, no teatro de operações, pelo Secretário de Segurança, busca que vem sendo divulgada pela imprensa, de forma intermitente e persistente, o que poderá contribuir para aumentar a sensação de insegurança.

Dois policiais militares, entusiasmados e vibrantes com sua profissão, são executados dentro da radiopatrulha, em Nova Iguaçu, e o crime, que está sendo examinado com as cautelas de sigilo, através esforço conjunto da Polícia Militar e da Polícia Civil, foi pautado pela imprensa, sem muita relevância, como é praxe nesses casos.

Entende-se que estamos diante de um lamentável paradoxo.

Por que superdimensionar o esforço para prender um foragido? Por que montar um qualificado, mas oneroso, aparato para prender um marginal igual a milhares que estão soltos por aí?  Por que a fuga de um criminoso merece tanto espaço na mídia? Por que o assassinato de dois representantes do Estado não é noticiado com mais intensidade, ou próxima, da notícia sobre o psicopata? Por que é divulgado o estado de saúde de reféns liberados, mas não se divulga o estado emocional de viúvas e órfãos dos militares assassinados? Reconheça-se, a imprensa, corretamente, está trabalhando para atingir seu objetivo: audiência.

Errados estão numerosos brasileiros que, numa cruel e atrasada concepção de valores sociais, prefere acompanhar fugas de bandidos, em lugar de se informar como estão as investigações para descobrir autoria e motivação da morte de dois policiais militares, que fizeram o juramento de defendê-los e suas famílias, ainda que com o sacrifício da própria vida.

Essas duas ocorrências nos levam a uma penosa reflexão: que sociedade é essa, em que os anti-heróis são exaltados, resultando em aumento da insegurança subjetiva e os verdadeiros heróis, aqueles que garantem a ordem na sociedade, aqueles que reduzem a insegurança objetiva, não têm o merecido reconhecimento e, às vezes, são, até, execrados?

É a sociedade que não tem políticas públicas de defesa social e, particularmente, de seguridade social e de salvaguarda social, bem claras, bem robustas e, sobretudo, efetivas. É a sociedade que sofre de uma terrível disfunção cultural: o endeusamento de bandidos, mesmo psicopatas, porque não é um ato de solidariedade, mas, sim, um viés equivocado da realidade.

Objetivamente, o surgimento de “Lázaros” pode nos levar a reflexões, tais que: em nossa vida devemos buscar o bem estar social ou, a qualquer custo, buscar “likes”?

(*) Coronel Veterano da PMMG, foi Comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG) e é Associado do IBSP.

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5 comentários em “AMAURI MEIRELES ANALISA O “CASO LÁZARO””

  1. Excelente! O texto deveria ser divulgado em imprensa nacional e encaminhado ao instituto sou da paz como aula de como fazer uma análise séria e com conhecimento de causa.

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