Estupro Coletivo, Estupro Corretivo e Destituição do Poder familiar: novas leis endurecem contra crimes sexuais e casos de violência no ambiente doméstico e intolerância

Hoje, 25 de setembro, foram publicadas as Leis nº 13.715 e 13.718, pelo Ministro José Antônio Dias Toffoli, Presidente do Supremo Tribunal Federal, no exercício do cargo de Presidente da República; a primeira cuidou especificamente das hipóteses de destituição do “poder familiar” pela prática de certos crimes, enquanto a segunda criou os crimes de “importunação sexual” e de “divulgação de cena de estupro” e deu mais rigor àquilo que definiu como “estupro coletivo” e o “estupro corretivo”.

A Lei nº 13.715 alterou os Códigos Penal e Civil, além do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para dispor – com o dissemos – sobre hipóteses de perda do poder familiar (antigamente denominado “pátrio poder”) pelo autor de determinados crimes contra “outra pessoa igualmente titular do mesmo poder familiar”[1] ou contra filho, filha ou outro descendente; no Código Penal a alteração foi sobre os chamados “efeitos específicos” da sentença penal condenatória, dentre os quais passou a ser a incapacidade para o exercício do poder familiar[2]; no Código Civil[3], se especificou quais os delitos que geram a perda do poder familiar (homicídio, feminicídio, lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão); na mesma linha, ao alterar o ECA a nova lei destacou que a condenação criminal do pai ou da mãe não implica a destituição do poder familiar, todavia, essa regra sofre exceção se a condenação se der pela prática de crime doloso sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente, em sintonia com as referidas alterações nos códigos.

Já a Lei nº 13.715 definiu o crime de “importunação sexual” como sendo a prática, contra alguém e sem a sua anuência, de qualquer ato libidinoso com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia[4] ou a lascívia de outra pessoa envolvida; com essa definição e, por vias das dúvidas, expressamente a nova lei resolveu revogar a antiga e até então plenamente vigente contravenção penal de “importunação ofensiva ao pudor”[5].

A razão de ser dessa nova lei foi o episódio havido em 29 de agosto de 2017, quando um passageiro de um ônibus, que trafegava pela avenida Paulista, (região central de São Paulo), ejaculou no pescoço de uma passageira e no dia seguinte foi posto em liberdade pelo juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto; apesar de apelos e protestos, a decisão correta do magistrado foi a de que a conduta, por mais abjeta que fosse, não configurava estupro (como se sustentou)[6] ou qualquer outro crime contra a dignidade sexual (artigos 213 a 234 do Código Penal), mas a singela contravenção[7].

Também foi casuística a criação do novo crime nominado de “divulgação de cena de estupro” diante de episódios relativamente recentes[8] e deu mais rigor àquilo que definiu como “estupro coletivo” (por definição da lei é aquele praticado “mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes”) e o “estupro corretivo”[9], como sendo aquele que é praticado com o dolo específico de “controlar o comportamento social ou sexual da vítima”; esse último certamente trará insegurança jurídica porque seu conceito restou excessivamente aberto à interpretação do que significa tal dolo de controle comportamental, algo, inclusive, de difícil prova…

Notas

[1] O Código Civil brasileiro, em seus artigos 1.630 a 1.638 cuida desse instituto chamado “poder familiar” que é assegurado aos pais para, em apertada síntese, dirigir-lhes a criação e a educação.

[2] “Art. 92. […]; II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado;”

[3] “Art. 1.638. […] Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:

I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.”

[4] O Dicionário Aurélio define “lascívia” como sendo “Comportamento de quem apresenta uma inclinação para os prazeres do sexo. Tendência para a lubricidade, para a sensualidade exagerada; luxúria. Característica daquilo que está destinado à libidinagem ou do que possui uma inclinação para a sensualidade; despudor. Característica, particularidade ou comportamento de lascivo. Etimologia (origem da palavra lascívia). Do latim lascivia.ae.”

[5] Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941). “Art. 61. Importunar alguem, em lugar público ou acessivel ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”

[6] Confira “Ejacular em público só é importunação na cultura do estupro” (BARBOSA, Ruchester Marreiros, 2017) em: https://www.conjur.com.br/2017-set-12/academia-policia-ejacular-publico-importunacao-cultura-estupro

[7] Confira em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/ejaculacao-em-onibus-nao-configura-estupro-afirma-juiz

[8] Confira em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/05/quem-compartilha-video-de-estupro-tambem-comete-crime-dizem-especialistas.html

[9] “O ‘estupro corretivo’ foi definido como um ‘crime de ódio no qual uma pessoa é estuprada por causa de sua orientação sexual ou de gênero percebida, buscando que como consequente do estupro seja ‘corrigida’ a orientação da pessoa, ou que ‘ajam’ de maneira mais condizente com seu gênero’ (Keren Lehavot e Tracy L. Simpson, Incorporating Lesbian and Bisexual Women into Women Veterans’ Health Priorities, 27 de junho de 2013). Por trás deste crime, o que se envidencia é uma concepção perversa e equivocada de que, se penetrada por um homem, a mulher converter-se-á novamente em ‘normal’. A anterior Alta Comissariada da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillar, indicou que o estupro ‘corretivo’ normalmente combina ‘uma falta de respeito fundamental com as mulheres que frequentemente constitui misoginia, com uma homofobia profundamente enraizada’ ” (Navi Pillay, “The shocking reality of homophobic rape,” em The Asian Age, 20 de junho de 2011). Confira em: http://www.oas.org/pt/cidh/docs/pdf/violenciapessoaslgbti.pdf

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