Análise do Projeto de Lei nº 6.289/2019: as Polícias Militares no SISNAMA

Análise do Projeto de Lei nº 6.289/2019 (inclui, de forma expressa, as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal no Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, bem como disciplina o exercício das atividades de policiamento ambiental[1]

Eduardo Frederico Cabral de Oliveira[2]

 

Pretendo aqui ressaltar a história, o papel e os enormes serviços que as polícias militares ambientais (PMAm) desempenham na proteção da Natureza brasileira, bem como sua complementaridade com os órgãos ambientais, e os ganhos para o Brasil de um trabalho integrado entre as PMs, Bombeiros e os órgãos ambientais. Infelizmente, eles somente retratam uma realidade nacional.

O Projeto de Lei nº 6.289/2019 (inclui, de forma expressa, as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal no Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA,  bem como disciplina o exercício das atividades de policiamento ambiental) proposto pelo Deputado Coronel Tadeu:

Altera a redação do inciso V, do art. 6º, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981 e do § 1º, do art. 70, da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para incluir, de forma expressa, as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal no Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, bem como disciplinar o exercício das atividades de policiamento ambiental.

 

Na justificativa do projeto temos que:

No Distrito Federal, por exemplo, o Batalhão de Polícia Ambiental da Polícia Militar é considerado pela Procuradoria Geral do DF como órgão integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e, assim como ocorre em vários estados, atua regularmente de acordo com a legislação em vigor.

No entanto, em razão da inexistência de previsão expressa nos diplomas legais supramencionados, tais atividades passam a ser normatizadas em atos das esferas locais, mediante decretos, entendimentos, convênios e termos de cooperação técnica, dentre outros instrumentos, que não conferem padronização das ações vinculadas às polícias militares.

 

Mas, a carta da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio Ambiente (ASCEMA NACIONAL- PECMA) leva a crer que tal afirmação do projeto é inverídica:

[…] o que existe de fato são acordos de cooperação institucional estabelecidos em algumas unidades federativas: entre um órgão do Sisnama e órgãos de segurança pública. Os policiais militares atuam no preenchimento de termos de constatação ou outros documentos similares, que posteriormente são referendados por agentes de fiscalização ambientais. A tramitação e julgamento administrativo ocorrem nos órgãos do Sisnama, sejam o Ibama, o Instituto Chico Mendes ou secretarias estaduais ou municipais de meio ambiente

 

Incorre em grave erro quem lê essa afirmação. Nesse sentido, convidaria (me atrevo e tenho certeza de que serão bem recebido) os autores da nota da Ascema a visitar o Comando de Policiamento Ambiental (CPAm) da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), que faz o ciclo completo de polícia administrativa ambiental, desde a lavratura do auto até o lançamento dos inadimplentes no cadastro da dívida ativa estadual.

Emerge aqui um questionamento: se a PMSC é capaz de tal feito, por que as outras polícias não o seriam?

Ademais, o que o projeto de lei estava a corrigir é exatamente essa assimetria. Somente onze entre as 27 unidades federativas brasileiras possuíam competência para aplicação das multas em 2017, ou seja, em torno de quarenta por cento aplicaram multas. Entretanto, elas aplicaram mais de cinquenta mil multas, enquanto o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no mesmo período autuou 1.590 vezes (Cabral de Oliveira et al., 2020)[3]. Agora imaginem se todas elas tiverem o poder de polícia administrativa ambiental para aplicação de multas?

A seguir, a carta afirma que a inclusão das PMAm no Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) prejudicará a implementação da política ambiental, conforme pode se observar a seguir:

Importante destacar que é muito bem-vinda a existência das PMs ambientais e delegacias especializadas das polícias civis e da Polícia Federal e que são muito importantes as ações conjuntas com os órgãos ambientais em operações de fiscalização, por exemplo, mas a inclusão das PMs e bombeiros militares no Sisnama, ao contrário do que possa parecer, só prejudicará a implementação da política ambiental. (grifo nosso)

 

Sustentando essa afirmação, os responsáveis pela nota afirmam que o SISNAMA tem se aprimorado ao longo dos anos a fim de evitar sobreposição de autuações e de esforços, i.e., estão mais eficientes. Ora, é natural que esse processo de aperfeiçoamento ocorra ao longo dos anos, e isso também haveria de ocorrer com as PMAm como integrantes do sistema.

A nota aduz que:

[…] uma corporação com foco na segurança pública neste sistema, que tem suas especificidades técnicas, legislação e atuação próprias, tem grande potencial desestabilizador. Pode interferir, por exemplo, nas competências legais definidas pela Lei Complementar n. 140/2011, que fixou normas para a cooperação entre os entes federados relativas à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição e à preservação das florestas, da fauna e da flora. (grifo nosso)

Francamente, eu não entendi o que eles afirmaram como “potencial desestabilizador”. O Brasil vive um período democrático de direito, onde todas as pessoas e instituições estão sob o império das leis. A lei (Lei Complementar Federal nº 140, de 2011)[4] a que eles fazem menção simplesmente estabelece os instrumentos e as ações de cooperação entre os entes federativos

[…] nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora […]

 

Sendo a lei aprovada, as PMAm a seguiriam como o fazem com todas as outras. Havendo algum conflito com o órgão ambiental secional (estadual) ou municipal, esse o seria resolvido de acordo com os preceitos dessa lei ou de outra. O que não faltam são leis no Brasil, bem como com o que ocorreu com o dispositivo legal que os autores suportam as suas afirmações.

Depois, a Nota faz uma série de questionamentos que elenco a seguir, com as devidas respostas.

Primeiro, “As polícias militares, no caso de inclusão no SISNAMA, ocuparão o espaço de qual ente federativo? Concorrerão com os órgãos estaduais de meio ambiente?”. Bem, elas não ocuparão o espaço de nenhum órgão da administração estadual, ou seja, eles atuarão complementarmente, assim como a União, estados e municípios atuam aplicando as autuações administrativas de trânsito, assim como diversos órgãos da administração pública atuam com seu poder de polícia.

Segundo, “Como será a atuação para a emissão do ato administrativo de emissão de auto de infração? Criação de estrutura própria e concorrente para o julgamento dos autos?”. O Brasil é uma federação, e sendo assim cada estado tem liberdade para estabelecer a sua estrutura administrativa. Contudo, sugiro, mais uma vez, conhecerem o CPAm da PMSC, onde existe uma estrutura própria para o processamento e instrução dos autos administrativos ambientais.

Por fim, “Poderão fiscalizar o que não licenciam ou licenciaram também? No caso de um PM autuar uma empresa assim como o órgão ambiental, qual auto valerá?”. De novo, cada estado deverá decidir o que é melhor para si. Não acredito que haverá duplicidade, uma vez que se assim o fosse, os estados que possuem algum instrumento de cooperação estariam padecendo desse problema.

Mais uma vez, os autores apontam riscos à atuação das PMAm.

Outro risco é que se consolide uma leitura que para resolver os graves problemas ambientais bastam agentes de segurança pública. Lembramos que a fiscalização é só uma etapa da gestão dos ativos ambientais do país, e não se limita a presença do agente, e que para a lavratura de autos ou outros documentos em campo são levadas em conta os danos causados, áreas sensíveis, espécies ameaçadas, condicionantes de licenciamento ambiental, numa avaliação técnica e especializada, não sendo só a ação pontual da repressão policial depois que os animais já estão mortos ou as árvores sendo transportadas. (grifo nosso)

 

Não há ilusão pelas PMAm de que a sua atuação por si só resolveria todos os problemas ambientais. Inicialmente porque elas possuem um duplo papel por suas características, “polícias de segurança pública” e de “polícia de segurança ambiental”. Além disso, os autores desconhecem a estrutura de relacionamento sistêmico que existe nos sistemas sociais, em particular no “sistema de segurança ambiental”.

Os policiais militares não são aqueles “soldados armados, amados ou não Quase todos perdidos de armas na mão” (VANDRÉ, 1968)[5]. As corporações possuem uma grande parte de seus integrantes com cursos graduação superior e pós-graduação nas mais altas qualificações de pesquisa. Os policiais militares ambientais, além disso, procuram se aperfeiçoar por meio dos cursos regulares nas suas corporações, ou ainda em cursos acadêmicos de Humanidades, Ciências da Natureza e da Terra, Engenharias etc., em seu período de folga e arcando com todos os custos pessoalmente. Tudo isso com a finalidade de prestar um melhor serviço à sociedade.

Sem dúvida a fiscalização é somente uma etapa da gestão ambiental. Todavia, em vários estados da federação policiais militares ambientais, além de multarem, também produzem laudos ambientais, os quais, muitas vezes servem de instrumento para a propositura da ação civil pública contra infratores ambientais.

Em outra parte, eles citam a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 1998)[6] afirmando que “o papel especializado das polícias é muito importante, mas são ações de naturezas diferentes e por isso mesmo tratadas de forma separadas dentro do arcabouço legal nacional”. O infrator ambiental (pessoa física ou jurídica) está sujeito às responsabilidades penais, administrativas e cíveis decorrentes pela prática de ato lesivo ao meio ambiente. Na verdade, são raras ou inexistentes, eu particularmente não conheço nenhum tipo penal ambiental que não configure também uma infração administrativa.

O policial ambiental quando se depara comum crime ambiental só pode atuar penalmente, pois, não tem, na maioria das vezes, poder de polícia administrativa ambiental para aplicar a multa. Tampouco raramente há algum agente ambiental que o acompanhe. Para se ter uma ideia dessa lacuna, em 2017 as PMAm do Brasil registraram mais de 111 mil ocorrências e aplicaram mais de cinquenta mil multas.

Realmente não se trata só de uma “a ação pontual da repressão policial depois que os animais já estão mortos ou as árvores sendo transportadas”. Só de animais apreendidos pelas PMAm naquele ano, foram quase 85 mil, mais aproximadamente 180 mil metros cúbicos de madeira e de 250 toneladas de pescado ilegal. Para se ter uma ideia de grandeza, isso foi equivalente a um animal silvestre sendo resgatado a cada seis minutos, em torno de setenta piscinas olímpicas cheias de madeira, e aproximadamente setecentos quilos de pescado ilegal por dia (op. Cit.: Cabral de Oliveira et al., 2020).

Mas à frente, a nota faz ilações de que, extrapolando suas especialidades, as PMAm poderiam “gerar resultados confusos e prejudicar as instituições”. Mais uma vez eles fazem afirmações sem o menor conhecimento de causa. As PMAm fazem operações de fiscalização ambiental diariamente. Só em 2017 foram mais de 111 mil as que geraram algum registro de atividade potencialmente danosa ao meio ambiente, sem contar o policiamento preventivo ambiental e rural que é realizado diuturnamente.

O grande problema é que, geralmente as PMAm são vistas somente como órgão operativo, e por isso são chamadas no momento da ação como força de aplicação da lei. Na verdade, elas operam em grande parte do tempo sozinhas, sem nenhum apoio. De todas as ocorrências realizadas em 2017, somente cerca de seis mil, ou seja, em torno de seis por cento, foram resultados de operações conjuntas com forças federais, estaduais e municipais. Esse fato justifica ainda mais a necessidade de aprovação daquele projeto de lei (op. Cit.: Cabral de Oliveira et al., 2020).

A seguir, são feitas novas inferências falando de

[…] atual governo federal, já se observa um esforço de desqualificação do Sisnama em favor de atores externos como policiais e militares que ocuparam cargos comissionados de livre nomeação política nos órgãos ambientais federais nos últimos dois anos. Esses gestores, sem experiência na área ambiental, colocaram em prática a lógica de suas corporações, sem levar em conta as características da área ambiental – e financiaram as mesmas, por meio dos “acordos substitutivos de multa” […]

Esse me parece um comentário carregado de ideologia política, a qual não faz bem para a sociedade quando expressa em seus extremos, tanto à esquerda, quanto à direita. Não é o caráter militar ou civil do servidor que faz melhorar o desempenho de um órgão, e sim a sua vontade e interesse público! Ademais, ele parece impregnado de um estereótipo ainda do período do regime militar, o qual se encerrou em 1985, i.e., a mais de trinta anos atrás. Nenhum policial militar que foi formado, ou serviu, durante aquele período se encontra no serviço ativo atualmente. As polícias militares mudaram. Hoje são muito mais dedicadas à sociedade do que já o foram no passado. Elas precisam melhorar, evoluir, assim como toda a sociedade e instituições brasileiras. Somos uma jovem democracia ainda!

Segue-se uma série de questionamentos sem resposta. Inicialmente, “Qual seria o real interesse pela entrada das PMAm no SISNAMA? Terem mais trabalho? Montar uma estrutura administrativa paralela?”. Eu diria que o real interesse das PMAm em integrar de fato o SISNAMA é terem a competência legal de atuarem em todo o seu potencial, e não é ter mais trabalho, uma vez que esse trabalho já é realizado de forma anônima e sem reconhecimento diariamente, desde 1949, quando a Polícia Militar de São Paulo (PMSP) criou a primeira unidade de policiamento ambiental no país. Exatamente, as primeiras PMAm datam da década de 1940, embora a maioria tenha sido criada entre as décadas de oitenta e noventa do século passado. Só para lembrar, o IBAMA, foi criado em 1989 (op. Cit.: Cabral de Oliveira et al., 2020).

Além disso, não se trata de criar uma estrutura paralela. Cada órgão estadual pode processar os autos administrativos que lavrarem, sem interferir na competência um do outro. Trata-se, na verdade de empregar o que cada órgão de administração pública tem de melhor para alcançar o objetivo fim, que é proteger a Natureza.

Depois, a nota argui “Quem julgará os autos de infração ou emitirá licenças e autorizações? Qualquer soldado? Com qual formação técnica? De onde viriam os recursos para adequação das tropas para mais essa nova atividade?”. Eu diria que um soldado poderia sim julgar os autos de infração, desde que ele tivesse competência técnica para tal, com a mesma capacitação que um profissional filiado à Ascema adquiriu quando completou o seu curso de graduação, especialização e pós-graduação que o soldado fez. Na verdade, quem define quem é competente para a prática de determinado ato é a lei. Assim, se o soldado cumprir todos os requisitos legais poderá gozar de todas as prerrogativas e realizar todos os atos daí decorrentes.

Não se trata aqui de definir a qualificação pelo posto ou graduação, e sim pela capacitação de cada profissional. Quanto aos recursos, viriam da mesma origem que vieram todos os recursos que as mantiveram durante todos esses anos, das dotações orçamentárias de suas corporações.

Finalmente, eles encerram com a seguinte pergunta: “E como seria o sistema de cobranças e destino desses recursos arrecadados? Iriam para um fundo ambiental? Custeariam projetos ambientais?”. O destino deveria seria o mesmo que é dado às multas aplicadas pelos órgãos executores e locais de meio ambiente atualmente, e poderiam financiar projetos ambientais, certamente.

Concluindo, eles argumentam como as PMAm lidariam com a questão da inadimplência do pagamento das multas. Ora, em primeiro lugar essa falta de pagamento ocorre há anos e não se deu por conta das PMAm. Além disso, envolvem várias variáveis, tais como leis excessivamente permissivas à recursos, os quais protelam por meio de medidas judiciais a finalização de processos administrativos, questões políticas e geopolíticas locais, regionais, nacionais e internacionais; bem como a falta de efetivo dos órgãos ambientais.

Para se ter uma ideia da diferença, em 2018 o efetivo das PMAm brasileiras contava com mais de sete mil integrantes, enquanto os órgãos executores federais, IBAMA e ICMBio, tinham em torno de oitocentos e novecentos agentes, respectivamente. No ano seguinte, o IBAMA perdeu mais agentes, e tinham cerca de quinhentos servidores (Cabral de Oliveira, 2020; Menegassi, 2021)[7].

O único argumento com concordamos é aquele de que “entrada das polícias militares irá combater a corrupção no IBAMA e no ICMBio”. Infelizmente, a sociedade brasileira ainda é muito tolerante à corrupção. Quer seja pela certeza da impunidade, quer seja pela falta de exemplo de determinadas autoridades públicas, as quais deveriam zelar pelo correto emprego das verbas públicas.

Em um ranking internacional de corrupção, o Brasil se encontra em uma posição desconfortável. Entre 180 países, o Brasil se encontra na 106ª posição, com uma pontuação 35, numa escala que vai de zero a cem, onde os menores valores correspondem a um alto nível de corrupção, os mais altos aos mais honestos. Por essa razão, concordo com a afirmação, uma vez que esse mal que corrói as estruturas sociais, se difunde em todos os níveis administrativos e órgãos da administração pública, e na sociedade como um todo (Transparency International, 2020)[8].

Os autores encerram a nota com um breve resumo, o qual faço questão de transcrever:

Em resumo, este PL cria a falsa imagem de empoderamento de policiais militares e bombeiros, gerando mais trabalho à tropa; pode ferir de morte o SISNAMA com a paulatina desestruturação da atuação de órgãos reconhecidamente capazes de combater o crime ambiental por meio de ações de regulação dos recursos como o licenciamento ambiental, adoção e fomento de políticas voltadas ao usos sustentável dos recursos naturais, recuperação de áreas degradadas e também de ações de comando e controle como monitoramentos e fiscalizações; não responde como será operacionalizada a entrada dos agentes de segurança no Sisnama e como funcionarão e cria mais insegurança jurídica aos cidadãos quanto a questões ambientais e possíveis perdas na segurança pública por novas atividades que os militares terão que aprender e executar. (grifo nosso)

 

A questão que emerge é o porquê da preocupação em empoderá-las quando se sabe que os órgãos executores e locais não tem capacidade operativa para enfrentar sozinhos os enormes desafios e forças que ameaçam a conservação da biodiversidade brasileira. Acredito que isso foi escrito por total falta de conhecimento sobre as PMAm, bem como por estarem impregnados de estereótipos distorcidos da atuação das polícias militares, conectando-as com aquelas do regime militar, as quais foram utilizadas como forças de Estado contra a sociedade. Hodiernamente, as polícias militares tentam se caracterizar como polícias cidadãs, as quais têm um currículo básico determinado pelo Ministério da Justiça, com matérias que procuram conduzi-las nesse caminho.

Eu não imagino qualquer coisa diferente disso. Assim o sendo, seria um ato de desinformação deliberada à sociedade, sob um pseudo-argumento ideológico travestido de interesse público, tendo por motivação a manutenção de uma “reserva de mercado” por poder e recursos financeiros. Não posso crer que uma associação composta por servidores que realizam um serviço de extrema relevância ao País emitisse uma nota com esse teor, de forma deliberada e consciente dos fatos aqui narrados.

Além disso, a conservação da Natureza no Brasil é um problema estrutural, desde 1934, pelo menos, quando o Código Florestal[9] previu a criação de uma polícia florestal da União, a qual de fato não foi efetivada. Isso ocorreu, segundo Warren Dean, em sua clássica obra “A Ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira” (DEAN, 1996)[10], pela falta de recursos e porque se esperava que os estados assumissem essa função. O que, de fato, ocorreria quinze anos depois.

A sociedade brasileira precisa definir de que maneira ela quer conservar a Natureza. Mas como decidir isso, se a grande maioria dela desconhece a maior força responsável por isso no Brasil? Tão grande em termos de efetivo que quase não encontra precedente em âmbito mundial. Neste ponto o leitor deve estar se perguntando: se é tão grande como posso desconhecê-las? Simplesmente porque não as reconhece como forças de proteção da natureza, uma vez que suas corporações mães só são reconhecidas pelo seu papel na segurança pública.

Diferentemente dos que os leigos possam imaginar, a existência de corpos policiais especializados em uma determinada atividade não é um oximoro. A maioria das forças policiais do mundo possuem um policiamento especializado, inclusive no policiamento ambiental, tais como a Polícia Nacional, do Equador; a Guarda Nacional Republicana, de Portugal; e os Carabinieres italianos, só para citar alguns.

A inclusão das PMAm no SISNAMA contribuiria de forma definitiva para a implementação e manutenção de uma política ambiental preventiva, com foco não somente nas áreas prioritárias para conservação, mas também para os licenciamentos. Assim, uma corporação, com um efetivo invejável como o das PMAm, dentro do sistema representaria a consolidação de uma estrutura que poderia integralmente proteger o meio ambiente, particularmente pela capacitação e competência técnica de seus integrantes. A partir disso, uma outra pergunta vem à tona. A quem não interessa ter um sistema de proteção da Natureza eficiente e eficaz? Certamente não aos cidadãos de bem!

Finalizando, espero que essa resposta possa lançar um pouco de luz no imenso, anônimo e desconhecido papel que as PMAm têm realizado na conservação da Natureza brasileira, e possa, definitivamente por um ponto final nesses argumentos fantasiosos e sem fundamento, quer seja jurídico, histórico ou operacional, os quais tentam minimizar, ou ignorar, o seu trabalho. O projeto de lei é oportuno, corrige uma omissão legal e seria bom para a conservação da Natureza no Brasil.

Rio de Janeiro, em 30 de junho de 2021, assina Eduardo Frederico Cabral de Oliveira.

 

 

NOTAS

 

[1] Nesta data tomei conhecimento de uma nota da Ascema Nacional se posicionando de forma contrária à inclusão das polícias militares ambientais (PMAm) e bombeiros no Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), a qual endereçou aos deputados federais que votariam o Projeto de Lei nº 6.289/2019, o qual estabelecia esse dispositivo; Confira a nota da Ascema Nacional em: http://www.ascemanacional.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Projeto-de-Lei-PMs_no_SISNAMA_29jun2021.pdf ; confira o Projeto de Lei nº 6.289/2019 em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01q13jzklaewkc66nn1a8hpmyu2102938.node0?codteor=1846164&filename=Avulso+-PL+6289/2019 . Este artigo é adaptação de carta dirigida pelo autor à Ascema Nacional e representa sua opinião sobre o tema.

[2] Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, graduado pela Escola de Formação de Oficiais, atual Academia de Polícia Militar D. João VI; ex-comandante do Batalhão de Polícia Florestal e de Meio Ambiente e do Comando de Polícia Ambiental; pós-graduado em: Gestão Estratégica em Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Auditoria e Perícia Ambiental pela Universidade Gama Filho (UGF); e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Mestre em Engenharia Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense). Doutorando pelo Programa de Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Lisboa e a Universidade Nova de Lisboa. CV: http://lattes.cnpq.br/5058044528172162; https://orcid.org/0000-0002-5772-833X

[3] Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/348607651_Fiscalizacao_ambiental_e_panorama_atual_no_Brasil . Acesso em: 01 jul. 2021.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm . Acesso em 01 jul. 2021.

[5] Disponível em: https://www.letras.mus.br/geraldo-vandre/46168/ . Acesso em 01 jul. 2021.

[6] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm . Acesso em 01 jul. 2021.

[7] Disponível em: https://www.oeco.org.br/noticias/ibama-enfrenta-dificuldades-para-cumprir-meta-de-julgamento-de-autos-de-infracao/?fbclid=IwAR3Wqm0jTgy8UNDJrgTVnMksxLhL0lDnXG5DBVm5t0RKL_3reDOcz1quP7M . Acesso em 01 jul. 2021.

[8] Disponível em: https://images.transparencycdn.org/images/2019_CPI_Report_EN_200331_141425.pdf . Acesso em 01 jul. 2021.

[9] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d23793.htm . Acesso em 01 jul. 2021.

[10] Disponível em: https://www.amazon.com.br/ferro-fogo-Warren-Dean/dp/8571645906 . Acesso em 01 jul. 2021.

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1 comentário em “Análise do Projeto de Lei nº 6.289/2019: as Polícias Militares no SISNAMA”

  1. Bom dia,
    Excelente explanação. Bem didático.
    As PMs devem fazer parte desse contexto dos direitos de última geração: Dirieitos Difusos !

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