A fuga de presos e audiência de custódia: as duas mazelas da Política Penal Nacional

Dequex Araujo Silva Junior, Dr., Currículo Lattes

As duas fugas do Sistema Penitenciário Federal de Mossoró possibilitaram desvelar um fato que geralmente se encontra obscuro nas discussões sobre segurança pública: o número de presos que foge dos estabelecimento correcionais. As informações foram divulgadas pela Secretaria Nacional de Políticas Penais após solicitação do Deputado Federal Júnior Amaral, através de RIC nº 186/24, ao Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Os números são estarrecedores: segundo os dados, mais de 109 mil presos fugiram dos estabelecimentos penais entre 2016 e 2023. O maior número foi em 2017, com 24.656 fugas; o menor foi em 2021, com 6.818; em 2023 foram 9.175.

As demais informações requeridas pelo referido Deputado foram diminutas e confusas, demonstrando um total desconhecimento e descontrole da Secretaria e do próprio Ministério com as questões penitenciárias. Os números apresentados, por exemplo, sobre a fuga de presos nos estabelecimentos penais geridas através de parceria público-privada entre 2016 e 2020 estão imprecisos e apresentam duplicidades de dados, não obstante ser possível inferir que a quantidade de fuga nesses estabelecimentos é diminuta em relação aos geridos pelos estados da federação. Não soube informar a referida Secretaria a quantidade de fugitivos capturados nesse período. Quanto ao monitoramento através de câmeras disse que apesar de existir nos estabelecimentos penais federais, estão passando por mudanças de equipamentos, e que cada estado geri o seu monitoramento. Ou seja, há uma Secretaria Nacional de Políticas Penais que não tem o controle e a ciência sobre a gestão penitenciária nos estados.

A forma desdenhosa com que vem sendo tratado o problema penitenciário no país é totalmente consonante com o discurso minimalista adotado pelos adeptos de Alessandro Baratta e seus epígonos. Pois estabelecimentos penais bem cuidados e seguros não são do interesse daqueles que pregam o desencarceramento em massa como é o caso, por exemplo, do Ministro Lewandowski. O definhamento do sistema penitenciário faz parte do projeto dos minimalistas e abolicionistas penais para justificarem suas teorias. Dentro desse cenário, a fuga de presos torna-se não só justificável, mas moralmente aceito, pois para os adeptos do desencarceramento a população carcerária vive em situação desumana. Todavia, esses mesmos defensores dos direitos dos encarcerados são contrários a qualquer melhoria do sistema como, por exemplo, a ampliação de vagas por meio de construção de novos estabelecimento penais.

Soma-se a essa situação calamitosa, o número de presos em flagrante delito soltos nas audiências de custódia devido ao laxismo penal adotado pelo judiciário brasileiro, que passa a beneficiar uma grande quantidade de criminosos (são mais de 40% liberados em média no país, onde há estados, como a Bahia, que libera mais de 57% dos detidos, ou seja, para cada 10 presos em flagrante delito, 6 são liberados). Conforme os dados estatísticos do CNJ, desde sua implantação em 2015, foram realizadas 1.614.449 audiências de custódia no país, onde 639.823 pessoas foram liberadas e 970.020 pessoas permaneceram presas preventivamente (dados de 07/05/2024).

Esse tipo de política penal, que qualifico como não-aversiva, pois recompensa mais do que pune os malfeitores e malfeitos, eleva consideravelmente a criminalidade, porque potencializa o ato criminoso e a reincidência concreta do crime. Digo concreta, pois só é considerado como reincidência um novo ato criminoso cometido por pessoa que já foi punida através de sentença condenatória transitada em julgado. Ou seja, se um indivíduo for preso em flagrante delito por uma guarnição policial por roubar ou tentar contra a vida de alguém (independentemente do número pretérito de entradas na Delegacia por infrações penais), sendo liberado em audiência de custódia, e horas depois comete outro delito não é considerado reincidente, mais réu primário se não tiver sido sentenciado. Ou seja, esse indivíduo que já cometeu vários crimes, mas não foi condenado, é considerado primário dentro da formalidade jurídica, que destoa consideravelmente da realidade concreta.

Isso significa dizer que, além de um número considerável de presos fugir dos presídios, há também um número abundante de indivíduos que deveria estar preso e não está, pois na política penal não-aversiva o presídio é visto como uma fábrica de delinquentes (lógica foucaultiana exposta em Vigiar e Punir), logo deve ser evitado. Ou seja, a soma dos criminosos fugitivos com os criminosos liberados através das audiências deixa um montante considerável de indivíduos soltos para o cometimento de mais crimes, estimulando outros tantos que passam a perceber o sistema penal brasileiro como benevolente com os desvios. Com isso, a população cumpridora dos seus deveres fica à mercê da criminalidade estimulada por um sistema de justiça criminal bandidólatra e democida. Dentro desse contexto, não há política de segurança pública que seja eficaz, pois ela depende diretamente de uma política penal que seja intolerante com o crime e com o criminoso.

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