por Azor Lopes da Silva Júnior[1]
O Congresso Nacional aprova alteração no artigo 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, vedando a aplicação de sanções administrativo-disciplinares privativas e restritivas de liberdade aos policiais militares e bombeiros militares dos estados e do Distrito Federal.
Enviado em 1º de outubro de 2015 da Câmara dos Deputados, onde nascera como PL 7645/2014 (Confira-se o texto em sua redação final na Câmara, que não sofreu alterações no Senado)[2], de autoria dos deputados federais Subtenente Gonzaga – PDT/MG e Jorginho Mello – PR/SC, para discussão e votação no Senado, agora em 11/12/2019 o projeto recebeu aprovação pelo Plenário do “Câmara Alta” (Senado Federal) e agora seguiu para a sanção presidencial o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 148/2015.
Em 26 de dezembro de 2019 o projeto foi sancionado sendo publicado como Lei nº 13.967 (Cf.: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13967.htm)
A matéria nos faz rememorar um evento havido há quase uma década, que talvez agora possa ser aproveitado pelos encarregados da elaboração das normas legais regulamentadoras; era o III Fórum Nacional de Gabinetes de Gestão Integrada Estaduais, que aconteceria entre os dias 18 a 22 de maio de 2010 na capital paraense: a linda Belém.
Designado pelo governo paulista[3], seguimos para debater e ao final apresentarmos proposições em torno dos limites do poder e do direito disciplinar aplicável aos militares estaduais e distritais. A tônica era rechaçar a histórica prática de segregação corporal desses profissionais como sanção administrativa. Coube-nos a sistematização, redação e exposição de motivos das proposituras do grupo[4].
Do Direito Comparado tomamos os estatutos da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP) portuguesa, que cominava tão somente pena de suspensão aos transgressores, assim como o faziam também a Guarda Civil e o Corpo Nacional de Polícia espanhóis; do Direito brasileiro buscou-se apoio na Lei Orgânica de Magistratura Nacional (LOMAN; Lei Complementar 35/93), na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP; Lei 8.625/93) e no Estatuto Servidor Federal (Lei 8.112/90).
Daquele Grupo de Trabalho XI do III Fórum Nacional de Gabinetes de Gestão Integrada Estaduais, estabeleceu proposta paradigmática: “Não serão admitidas penas disciplinares de privação da liberdade individual aos militares dos estados, cabendo medida dessa natureza exclusivamente em caráter cautelar, como garantia da ordem pública ou da disciplina militar”.
Juridicamente a propositura tinha a seguintes bases: “Com fundamento no disposto no Artigo 22, XXI, da CRFB[5], sugere-se que lei federal ou medida provisória altere o artigo 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, fixando como normas gerais aos estados um rol taxativo de penas disciplinares aplicáveis aos militares estaduais nas seguintes espécies“:
Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969.
Artigo 18. As Polícias Militares serão regidas por Regulamento Disciplinar redigido à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército e adaptado às condições especiais de cada Corporação.
As sanções disciplinares serão:
Advertência, espécie sanção disciplinar mais branda, consistente em admoestação verbal ou escrita, aplicável às transgressões tipificadas como de natureza leve, a ser lançada nos registros individuais do infrator.
Repreensão, espécie de sanção disciplinar, mais rigorosa que a advertência, sempre aplicada às transgressões disciplinares tipificadas como de natureza média, devendo ser lançada nos registros individuais do infrator.
Afastamento compulsório, espécie de sanção disciplinar, aplicável na reincidência em faltas médias e graves, implicando ao infrator ser afastado de suas atividades com desconto dos dias de afastamento em seus vencimentos ou subsídios, vedados quaisquer outros efeitos administrativos.
Reforma compulsória, com vencimentos ou subsídios proporcionais ao tempo de serviço, aplicável ao militar do estado, que haja adquirido a estabilidade, após o devido processo legal administrativo, em caso de prática de ato grave atentatório aos valores militares, nos termos da legislação estadual.
Demissão, sem direito a vencimentos ou subsídios proporcionais, aplicável ao militar do estado, que haja ou não adquirido a estabilidade, após o devido processo legal administrativo, em caso de prática de ato grave atentatório aos valores militares, nos termos da legislação estadual.
Finalmente, o Grupo de Trabalho XI do III Fórum Nacional de Gabinetes de Gestão Integrada Estaduais sugeriu uma seguinte Diretriz para o Ministério da Justiça:
“Considerando a função revisora dos procedimentos disciplinares, a jurisdicional militar e a função de controle externo das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, o grupo sugere seja fomentado junto aos Tribunais de Justiça dos Estados a estruturação da Justiça Militar Estadual, com Juiz Titular especialmente selecionado para essa função jurisdicional” e “Nesta mesma linha, sugere que se estimule às Procuradorias de Justiça dos Estados a criação de promotorias especializadas para atuarem perante a Justiça Militar Estadual”.
A norma não atinge militares federais, portanto os regulamentos disciplinares das Forças Armadas ainda podem continuar cominando penas corporais (privativas de liberdade) no plano administrativo-disciplinar. Militares Estaduais (policiais e bombeiros) não perdem com a medida o status de forças militarizadas, tampouco tudo aquilo que se lhes aplica a título de prerrogativas e vedações pela Constituição Federal, notadamente a base institucional na hierarquia e disciplina, todavia, surge uma mudança de paradigma: a disciplina pode ser mantida sem que se imponha prisão aos transgressores das normas militares.
Para compreender essa mudança de paradigma é necessário que se tenha em conta que privação da liberdade é a “ultima ratio” e cabível tão somente quando da prática de infrações penais, valendo sempre render respeitosa homenagem à doutrina de Mário Masagão: “o fundamento da responsabilidade criminal é a proteção de bens fundamentais do indivíduo e da sociedade, como a vida, a liberdade, a incolumidade pessoal, a honra, a propriedade, a organização política. Muito mais modesto e restrito é o fundamento da responsabilidade disciplinar, que consiste na tutela do bom funcionamento do serviço público e dos fins por ele visados” [6].
[1] Pós-doutorando, pesquisador de “Hermenêutica e Positivismo Jurídico” pela Unesp, Doutor em Sociologia (Unesp), Mestre (Universidade de Franca) e Especialista (Unesp) em Direito. Advogado, Professor Universitário (UNIRP) e Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (ibsp.org.br). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6088271460892546.
[2] O CONGRESSO NACIONAL Decreta: Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que reorganiza as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal. Art. 2º O art. 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 18. As polícias militares e os corpos de bombeiros militares serão regidos por Código de Ética e Disciplina, aprovado por lei estadual ou federal para o Distrito Federal, específica, que tem por finalidade definir, especificar e classificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a sanções disciplinares, conceitos, recursos, recompensas, bem como regulamentar o processo administrativo disciplinar e o funcionamento do Conselho de Ética e Disciplina Militares, observados, dentre outros, os seguintes princípios: I – dignidade da pessoa humana; II – legalidade; III – presunção de inocência; IV – devido processo legal; V – contraditório e ampla defesa; VI – razoabilidade e proporcionalidade; VII – vedação de medida privativa e restritiva de liberdade.” (NR) [Grifo nosso]. Art. 3º Os Estados e o Distrito Federal têm o prazo de doze meses para regulamentar e implementar esta Lei. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. CÂMARA DOS DEPUTADOS, de outubro de 2015. EDUARDO CUNHA, Presidente.
[3] São Paulo, 120 (99). Diário Oficial Poder Executivo – Seção II quinta-feira, 27 de maio de 2010. Segurança Pública. GABINETE DO SECRETÁRIO. Resoluções de 25/05/10. Designando: Nos termos do § 3º do artigo 5º da LC.689/92, alterado pela LC.1045/08, atendendo ao solicitado pelo Comandante Geral, […], o Maj PM 822289-4 Azor Lopes da Silva Junior, RG XX.XXX.XXX, do 17º BPM/I, […] para comporem os Grupos de Trabalho do III Fórum Nacional de Gabinetes de Gestão Integrada Estaduais, no período de 18 a 22/05/10, em Belém/PA, sem prejuízo dos seus vencimentos e das demais vantagens de seus postos.
[4] Eu era o Relator e Sistematizador das propostas do Grupo de Trabalho XI daquele III Fórum Nacional de Gabinetes de Gestão Integrada Estaduais, que era coordenado pelo Adjunto da Assessoria Especial da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Agnaldo Augusto da Cruz (então Major da Polícia Militar do Estado de Goiás), sendo membros do Grupo: Lázaro Leandro Nunes, Tenente-coronel BMMT; Fernando Carlos Gibson de Carvalho, Tenente-coronel PMPA; João Gilberto Fritz, Tenente-coronel BMRS; José Pereira de Andrade Filho, Tenente-coronel PMSE; Silvana Rosa de Jesus Ramos, Major PMGO; Marcelo Hipólitto Martinez, Major PMSC; Clairton Pereira da Silva, Major PMRO; Nilton Regis Carneiro Neves, Major PMCE; Ricardo André Biloia da Silva, Capitão PMPA; Roberto Magnani, Capitão PMRJ; Wanderlúcio Ferraz dos Santos, Capitão PMMG; Claridelma Barros Brasil Mesquita, Capitão PMMA; Ariel Dourado Sampaio Martins de Barros, Capitão PMPA; e Klebson Loair Lázaro Mansos Bentes, Capitão BMPA; e José Paulo Costa Vieira, 1º Tenente PMAL.
[5] “CRFB – Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: […] XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;”
[6] Cf.: SILVA JÚNIOR, A. L.. O princípio do juiz natural nos crimes militares diante da EC 45/2004. Revista dos Tribunais (São Paulo. Impresso), v. 843, p. 473-487, 2006. E ainda: SILVA JÚNIOR, A. L.. A insubordinação no campo do direito militar. Direito Militar, v. 55, p. 11-16, 2005.
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