O NOVO CRIME DE “STALKING”: DICAS AOS POLICIAIS E VÍTIMAS

Azor Lopes da Silva Júnior,

Advogado,

Professor Universitário e

Jornalista

Não é de agora, mas com o surgimento das redes sociais e outras ferramentas digitais, se potencializou aquilo que especialistas do mundo ciber e da psicologia chamam de “Stalking”; até agora, pouco as vítimas poderiam fazer diante dessa forma de perseguição acintosa a uma pessoa, causando-lhe tormento ou incômodos persistentes e sistêmicos, seja presencialmente, por telefone ou mesmo pelas redes digitais, mas agora passou a ser crime e é preciso que se saiba.

Antes disso, essas investidas tormentosas poderiam, quando muito, ser consideradas uma mera contravenção penal ou um ilícito de natureza civil causador de dano moral; em se tratando de contravenções, é forçoso reconhecer que pouca atenção e resposta as polícias (administrativa e judiciária), o ministério público e o judiciário dão a esses chamados “delitos anões” (nani delicti, no jurisdiquês); de outra banda, quando se fala em “danos morais”, o judiciário vem, cada vez mais, dando sentenças pela improcedência de muitos pedidos, sob o argumento de que não passariam de “meros dissabores normais e próprios do convívio social”, que “não são suficientes para originar danos morais indenizáveis”.

Nas centrais de atendimento 190 em regra o protocolo é de “orientação”, para que a vítima procure a delegacia de polícia local, quando um protocolo adequado seria o atendimento policial-militar e registro formal da ocorrência, para a preservação da prova, cumprimento da missão institucional e, por que não dizer, para que se leve a sério o compromisso firmado pelas Corporações que adotam a tão falada “filosofia de polícia comunitária”, bem como os mais recentes rompantes acadêmicos de uma “polícia orientada à solução de problemas”…

Resultado: em regra, a vítima fica absolutamente desassistida, desprotegida e, por vezes, acaba por fazer “justiça” com as próprias mãos (o que é crime de “Exercício Arbitrário das Próprias Razões”, previsto no artigo Art. 345 do Código Penal: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima”); aí sim as polícias tomam atitude formal: indiciam aquele que de início era vítima… Enfim, uma odiosa inversão de valores na vida real…

Pois bem, foi no ano de 2019, que a Senadora Leila Barros, do PSB do Distrito Federal, apresentou o Projeto de Lei nº 1.369, propondo a criação do crime de “perseguição” (“Stalking”, como o chamam os de língua inglesa), a ser incluído no Código Penal originalmente nos seguintes termos: “Art. 149-B. Perseguir ou assediar outra pessoa, de forma reiterada, por meio físico, eletrônico ou por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de ação ou de opinião. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.

Nas palavras do Senador Rodrigo Cunha, do PSDB de Alagoas, Relator do Projeto no Senado, “Em diversos outros países o “stalking” também é crime, a exemplo da França, Itália, Alemanha, Índia, Holanda, Canadá, Portugal, bem como no Reino Unido”. Originalmente, o projeto previa que a pena poderia ser aumentada em até a metade, quando houvesse o concurso de mais de três pessoas ou se houvesse o emprego de arma, e seria de 01 a 03 anos de detenção, caso o autor tivesse sido ou fosse íntimo da vítima. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e seguiu para revisão da Câmara dos Deputados.

Na Câmara dos Deputados, o projeto foi relatado com parecer favorável pela deputada Shéridan Esterfany Oliveira de Anchieta, do PSDB de Roraima, que é psicóloga de formação, e recebeu emenda da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, do DEM de Tocantins, com o objetivo de revogar o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, além de outra emenda, apresentada pelo deputado Fábio Trad, do PSD do Mato Grosso do Sul, propondo aumentar a pena para reclusão, de um a quatro anos; ambas emendas foram aprovadas pela relatora e pelo plenário da Câmara dos Deputados.

Em nosso ponto de vista, bem-vinda a emenda apresentada pela deputada Professora Dorinha, porque o novo crime poderia conflitar com a contravenção penal de “Perturbação da tranquilidade”, assim prevista desde 1941: “Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis”. Todavia, não vejo com bons olhos o aumento de pena proposto pelo deputado Fábio Trad, que geraria uma desproporção entre a pena desse novo crime em relação a outros muito mais graves; também bem-vinda a recolocação topográfica do novo crime como um novo artigo 147-A no Código Penal e não 149-B, como proposto pelo Senado. Finalizado o processo legislativo na Câmara dos Deputados, em 10 de dezembro de 2020 o então Presidente, Rodrigo Maia, em razão dessas alterações propostas, devolveu o projeto ao Senado, para análise final.

De volta ao Senado, durante a votação em plenário, no dia 09 de março de 2021, o senador Paulo Rocha, representando a liderança do PT,  propôs que a pena prevista para o novo crime voltasse a ser fixada entre 6 meses a 2 anos de detenção, como inicialmente prevista pela autora do projeto, a Senadora Leila Barros, e não de 1 a 4 anos como proposto pelo deputado Fábio Trad na Câmara dos Deputados [boa medida; aos nossos olhos] e, assim, no dia 31 de março foi sancionada a Lei nº 14.132, publicada em 01 de abril de 2021, com a seguinte redação final:

Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: I – contra criança, adolescente ou idoso; II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código; III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. § 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. § 3º Somente se procede mediante representação. Art. 3º Revoga-se o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais)”.

Outra questão de ordem prática interessante para as vítimas nos casos de “Stalking” (perseguição), é buscar em juízo (não na polícia) a fixação de medidas protetivas em favor da vítima, seja ela homem ou mulher (hetero ou homossexual); nesse sentido, em 2020, a juíza Danielle Galhano Pereira da Silva, do Foro da Mulher Brasileira, em São Paulo, antes mesmo do advento da nova lei, já havia concedido medida protetiva em caso de “Stalking” contra mulher.

Ainda mais uma dica importante, em se tratando de mulher vítima de “Stalking”: o artigo 19 da Lei Maria da Penha é específico para garantir as medidas protetivas de urgênciasempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.”); e veja-se que a Lei Maria da Penal (Lei nº 11.340), desde 2006 já define como violência psicológica “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Outra questão que merece destaque também de ordem prática: quando o “Stalking” não tem como vítima criança, adolescente, idoso, mulher (por razões da condição de sexo feminino) e também quando não é praticado em cumplicidade por duas ou mais pessoas ou, mesmo que por uma só, mas com o emprego de arma, o crime é tecnicamente chamado de “forma simples”, com uma pena máxima de 2 anos de detenção, o que se lhe faz enquadrar no conceito jurídico de “infração penal de menor potencial ofensivo” (aquelas cuja pena é substituída, em regra, pelas “cestas-básicas”), algo importantíssimo para aquelas polícias militares que lavram Termos Circunstanciados de Ocorrência; mesmo sendo de menor potencial ofensivo, veja-se que em juízo (Juizado Especial Criminal) poderá ocorrer a reparação civil pelos danos morais, pelo que deverá o policial militar, quando da lavratura do Termo Circunstanciado, colher da vítima a representação (condição de procedibilidade essencial neste novo crime).

Finalmente, para as vítimas e para que policiais possam ao menos dar uma orientação mais consistente, vale o conselho: como os casos de “Stalking” sempre envolvem questões complexas de ordem cível (familiar, conjugal, extraconjugal, reparatória de dano moral etc.) e agora também criminal, sempre é recomendável a orientação, caso a caso, de um Advogado, indispensável para a administração da justiça, nos precisos termos da Constituição da República Federativa do Brasil: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça…”.

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1 comentário em “O NOVO CRIME DE “STALKING”: DICAS AOS POLICIAIS E VÍTIMAS”

  1. Abordagem muito elucidativa para o policial e cidadão comum, notadamente as mulheres que, no meu modo de ver, são as maiores vítimas.

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