De autoria de Francisco Thiago Rocha Vasconcelos, sob coordenação de Renato Sérgio de Lima e supervisão de David Marques, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publica “Segurança pública como direito social: Uma revisão bibliográfica e conceitual (2010-2022)”, como livro eletrônico em primeira edição, inaugurando sua série “Informes de Análise“.
Na apresentação da obra, Renato Sérgio de Lima, Juliana Brandão e Rodrigo Ghiringelli de Azevedo concluem: “… o estudo liderado por Francisco Thiago Rocha Vasconcelos compõe um estado da arte sobre o tema sem ter, contudo, a pretensão de esgotar o debate. O que se faz é a explicitação dos movimentos das principais linhas de análise, com o manejo tanto das interpretações teóricas, quanto das ações e práticas políticas do campo. É sustentada a tese de que a concepção de segurança pública como um direito social se ancora sobretudo nos avanços de políticas fundadas a partir do paradigma da segurança cidadã. Entre outros desafios, o trabalho elenca como pontos que tem operado como limitadores da expansão desse campo conceitual da segurança pública enquanto um direito, a ausência de informação adequada para julgar e deliberar nessa área, a dificuldade de reduzir o protagonismo do Estado na definição de políticas, assim como de aumentar a capacidade de articulação e pressão da sociedade civil. Ainda prevalece a visão hegemônica que situa a segurança pública como tema apenas de polícia.”
A Revista do Instituto Brasileira de Segurança Pública (ISSN 2595-2153) é referida pelo autor (p. 59):
Um balanço sobre o conjunto de revistas dos diversos subcampos de pesquisa e reflexão ainda está por ser feito [Do autor: Nota 12. Como esforço complementar, consultar estudo sobre a revista Discursos Sediciosos (GINDRI, 2018).]. Em uma breve visão geral, sem pretensão exaustiva, é possível constatar a grande variedade de revistas especializadas em temas correlatos: […] Revistas policiais, em geral, de origem mais recente, e que visam legitimar as Ciências Policiais como uma área de pensamento próprio às polícias: Revista Brasileira de Ciências Policiais (RBCP); Revista Brasileira do Instituto Brasileiro de Segurança Pública [g.n.]; e diversos periódicos ligados diretamente à Academias Estaduais de segurança pública em cada estado.
A obra também faz referência (p. 178) à contribuição de Gilberto Protásio dos Reis ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (REIS, Gilberto P. dos; MELO, Anderson A. S.; ALVES, Heliane G.; SANTOS, Edson. dos. Gestão da defesa social em Minas Gerais: contar crimes é suficiente? Revista Brasileira de Segurança Pública, [S. l.], v. 7, n. 2, 2013. Disponível em: https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/333. Acesso em: 18 fev. 2023.), nos seguintes termos:
O último artigo desta seção (REIS et al, 2013), entretanto, aborda um exemplo de gestão da segurança pública, o caso de Minas Gerais, no qual é central a inovação institucional em termos de indicadores de eficiência policial. Os autores propõem a superação do paradigma vigente, o da contagem de crimes ou da “gestão por resultados”, modelo quantitativo de avaliação de desempenho, através de sua complementação por uma nova tipologia como parâmetro qualitativo de monitoramento das organizações do que nomeiam “sistema de Defesa Social”, combinando indicadores de resultados, de processo e de efetividade. Uma tipologia que permita sociedade observar e intervir na melhoria do desempenho da segurança pública no provimento de proteções aos cidadãos, no tripé protetivo: “ao corpo e à propriedade, à confiança na ordem e na capacidade do Estado de mantê-la, e à identidade no mundo” (BAUMAN, 2008, p.163). De acordo com os autores, a partir de 2003 houve um novo movimento, o programa “Choque de Gestão”, que pautou a ênfase em números na segurança pública do estado e criou a Secretaria de Defesa Social (SEDS). O governo do estado iniciou um processo de discussão sobre indicadores e metas pactuadas com todos os órgãos da segurança pública, e que dizem respeito às reduções: da taxa de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos por 100 mil habitantes; do número de homicídios relacionados com o tráfico e do uso de drogas; da taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes; e da taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Metas adicionais foram estabelecidas por cada organização, como a PM, em torno da apreensão de armas de fogo e da redução da reincidência (local/endereço) de registros de ocorrências de “perturbação do sossego”. Esse modelo funcionou bem até 2010, quando começou a gerar insuficiências na coleta de dados, na interpretação do fenômeno criminal e na publicização do conhecimento. Para os autores, ele deveria ser complementado por indicadores de processo/performance e efetividade de maneira relativamente autônoma ao número de ocorrência de delitos, de maneira a auferir critérios mais sensíveis de melhoria de desempenho independentes de oscilações em registros criminais, que dependem de fatores múltiplos, alguns deles que escapam da ação imediata das organizações de segurança pública. Além disso, essa nova abordagem permitiria a participação de outras organizações, externas à segurança pública, e da sociedade civil, em áreas geográficas predefinidas. O surgimento da proposta estaria associado à duas influências: nacionais, a partir do FBSP na organização de debates sobre uso de indicadores na segurança pública, nos anos de 2007 e 2009, em Belo Horizonte/MG e em Vitória/ES, e da produção da SENASP sobre o tema; e internacionais, com uso de referências aos modelos de evolução do modo de policiamento norte-americano, desde o “policiamento orientado para resolução de problemas”, o “policiamento comunitário”, o “policiamento baseado em estatísticas decorrentes do georreferenciamento de eventos criminais” (COMPSTAT/NY) ou “polícia de resultados”, em Minas Gerais, a “abordagem das janelas quebradas”, popularizada como “tolerância zero”, o “policiamento por pontos quentes”, o “policiamento por alavancas”, entre outros. A pretensão dos autores é se apoiar nessas referências para fundamentar uma maior participação social no monitoramento – vinculada, segundo os autores, ao “policiamento por alavancas”. Nesse quesito, a realidade de Minas Gerais estaria defasada diante das dificuldades da sociedade civil junto ao Conselho de Defesa Social e da insuficiência dos indicadores utilizados no Colegiado de Integração da Defesa Social. O artigo sugere, por exemplo, a adoção de dois grupos ou fontes de indicadores de processos: um primeiro, ligado à percepção da sociedade sobe a segurança pública (Índice de Qualidade de Vida Relativo à Defesa Social e Índice de Satisfação do Cidadão com o Atendimento do Sistema de Defesa Social); e um segundo, baseado nas percepções dos próprios agentes da segurança pública (Avaliação da Política de Integração e Resolutividade da Atividade Correcional). Há sugestão, ainda, de indicadores de resultados e de efetividade, discriminando atribuições organizacionais, público-alvo e forma de coleta e divulgação de dados. Em suma, no conjunto, o objetivo é uma reorganização que permita utilização de um novo sistema de monitoramento através de indicadores qualitativos que permita conciliar a “prevenção do crime” e a “administração do crime”, com maior sistematicidade da participação social, com a ativação do Conselho de Defesa Social e novas percepções no interior do Colegiado de Integração.
Francisco Thiago Rocha Vasconcelos também analisa (p. 81) a tese de doutorado do Associado IBSP Edson Benedito Rondon Filho (RONDON FILHO, E.B. A socialização dos agentes de Segurança Pública: tensão entre reconhecimento e desrespeito. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2013):
Uma atenção maior à tese de Edson Benedito Rondon Filho (2013) nos permite uma síntese da complexidade teórico-metodológica em um dos principais eixos de preocupação deste tópico: os estudos sobre educação policial. O pesquisador realizou um estudo comparado sobre socialização policial nas PMs do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e do Mato Grosso por meio de entrevistas, grupos focais e observação sistemática. O seu foco incidiu na tensão entre “atos de desrespeito” e “atos de reconhecimento” e seus efeitos sobre representações, identidade e atitudes dos sujeitos investigados. O estudo buscou averiguar: 1. Como o processo de socialização nas polícias militares se realiza por meio de ritos, ilegalismos e excessivo controle disciplinar com vistas à formatação dos sujeitos e que resultam em atos de desrespeito que interferem de maneira negativa na razão prática policial; 2) Como os atos de desrespeito da socialização policial militar atingem as “esferas de reconhecimento (família, direito e Estado)” do agente submetido a esse processo; 3) Como os saberes práticos do cotidiano policial suplantam saberes dos próprios órgãos de formação, deslegitimando professores e instrutores, vistos como não sabedores da “cultura de rua” do policiamento. Estas questões não são inéditas nos estudos policiais, mas a abordagem teórica do pesquisador as iluminou sob um ângulo diferenciado, integrando dimensões que muitas vezes caminham em separado nas análises sobre formação policial. A tessitura teórica do estudo se baseou em uma articulação complexa entre, de um lado, a “teoria dos ilegalismos policiais” de Fabien Jobard (2011; 2012) e os estudos de Dominique Monjardet (1996; 2012) sobre a socialização policial; e, de outro, a “teoria do homem plural” de Bernard Lahire (2002) e a “teoria do reconhecimento” de Axel Honneth (2009). Através de Jobard (2011; 2012), o autor revisita criticamente algumas das referências clássicas sobre teoria da polícia a partir do ponto fulcral do “ilegalismo legal”, que autoriza a polícia a cometer atos em desacordo com a lei19. Ao contrário de Brodeur, para quem o ilegalismo legal seria imanente à atividade policial e autorizado legalmente, Jobard ressalta que o “ilegalismo legal” não se confundiria simplesmente com a discricionaridade policial. Ele não seria autorizado legalmente, mas escaparia de sanções por modalidades de policiamento que variam segundo circunstâncias e espaços sociais. O direito, nesse sentido, não é um bem universal, mas é socialmente exclusivo a certa “geografia social”. Dito de outro modo, a polícia substituiria o direito através de atos individualizados que não têm risco de ser contraditado por normas gerais. O fundamento dessa abordagem decisionista do direito na ação policial é buscada nas reflexões de Schmitt (1934) sobre a exceção como princípio da soberania e da política. Frente à decisão soberana não caberia recurso, pois é tomada em circunstâncias excepcionais, quando a lei ordinária é suspensa. Desse modo, a discricionaridade da polícia é o exercício do poder soberano que, em determinados espaços sociais, acaba por privar o acesso à justiça ou ao direito como norma geral de convivência. Nas palavras de Rondon Filho (2013, p.71-73): “Em grande parte da sociedade a polícia é submissa ao direito ordinário, mas em algumas frações particulares ela é emancipada. Não se trata de fazer da polícia o vetor da nova ordem mundial marcada pela “exceção permanente” ou transportar a sociedade para uma nova biopolítica, onde o poder soberano triunfa sobre a vida nua, em resumo a algumas leituras de Schmitt. O desafio é construir uma teoria da polícia ancorada dentro da sociologia de suas práticas […] Jobard (2012) alerta que a relação raça / polícia não deve ter a priori uma dimensão racial do inimigo simplificando o problema e sufocando a dimensão heurística.” Nesse sentido, existiriam espaços sociais onde a violência policial ilegítima é aceita, mas sempre sob condições dependentes da realização de quatro vértices: 1) a pureza penal, ligada à credibilidade da vítima, sobretudo se ela nunca foi acusada em processo penal; 2) o tamanho da infração, ou seja, sua capacidade de comoção pública.; 3) a certificação material ou testemunhal (se as testemunhas também têm credibilidade); 4) as circunstâncias da infração serem convincentes sobre a ação policial em excesso fora de condições de legítima defesa. Da coordenação destes quatro vértices surge a probabilidade do exercício da violência policial ilegítima onde há menos possibilidade de conhecimento dos tribunais: as “periferias” e áreas marginalizadas, concentrando pessoas estigmatizadas, dificultariam a localização de testemunhas “confiáveis” e a denúncia pública da violência ilegítima. Em decorrência, a polícia não estaria situada dentro da ordem da simples civilidade, mas na fundação de nossa sociedade política, uma vez que, sob a ótica schmittiana, o exercício de soberania em situações excepcionais é expressão da política através da distinção amigo/inimigo. A polícia agiria na defesa de acordos morais e costumes dominantes no controle de indisciplina sobre quem é considerado “estranho” a um certo ideal de comunidade política. Essa soberania, no entanto, não seria absoluta, mas limitada pela antecipação dos efeitos da ação e sua (in)visibilidade na percepção de colegas, juízes e opinião pública, donde advém a importância da “história que eles serão capazes de produzir após a intervenção” (RONDON FILHO, 2013, p. 71). Sendo assim, a noção de Bittner (2001) da discricionaridade policial “mecanismo de distribuição de recursos não negociáveis empregados de acordo com o entendimento intuitivo de exigências políticas” (RONDON FILHO, 2013, p. 74) – é acionada a partir da ótica da manutenção da “ordem pública” como operacionalização da política pela polícia, orientada, em geral, para o controle das margens da ordem social e do processo civilizatório. Entretanto, para evitar generalizações, Rondon Filho entende que a decisão entre agir conforme as normas ou de acordo com “ilegalismos policiais” é dependente das disposições que os policiais incorporam ao longo de suas socializações e que são acionadas de acordo com contextos de ação. Por essa razão, o autor recorre à perspectiva da socialização a partir da “teoria do homem plural” de Bernard Lahire (2002) e de Dominique Monjardet (1996; 2012). De Lahire (2002), a tese incorpora a ideia de um sujeito plural, que compartilha habitus/disposições de diferentes espaços em sua trajetória (família, escola, grupo profissional, campos); habitus/disposições não plenamente alinhados ou coerentes e que se tensionam e muitas vezes conduzem a crises, à medida em que os indivíduos transitam e entram em conflitos decorrentes de deslocamentos migratórios, decadência social/financeira, de incompatibilidade entre concepções e novas situações sociais, etc. Em conjunção com os estudos de Dominique Monjardet (1996; 2012), essa perspectiva resulta que o trabalho policial “é mais tempo ditado pelas atitudes pessoais pré-existentes que pela experiência profissional e sua socialização na organização não ocorre, em geral, como uma evolução linear onde o sujeito seja cada vez mais policial” (RONDON FILHO, 2013, pp.94-95). A socialização policial emerge, então, como problemática principal, sob o ângulo da tensão entre “atos de reconhecimento” e “atos de desrespeito”. Essa perspectiva permitiu ao pesquisador interrogar como os sujeitos policiais adaptam os esquemas de percepção e disposições anteriores e posteriores à entrada nas organizações policiais, bem como conciliam identidade policial, grupos de referência (família, colegas de farda…), a dimensão dos direitos policiais e do serviço do Estado. A socialização secundária na organização policial é, então, analisada de acordo com um modelo sequencial, em que todas estas dimensões elencadas se interrelacionam: 1) as motivações e valores antes do ingresso na organização; 2) o início e fim da formação inicial; 3) titularização (ritual de passagem em cerimônia militar onde os novos recrutas e oficiais são apresentados à sociedade); 4) banalização (quando os saberes e disposições produzidos na formação são confrontados com a prática cotidiana); e 5) cristalização (a criação de uma cultura comum, fundada na honra militar – valores do sacrifico e da bravura – que sustentam os princípios da hierarquia e da disciplina). Neste ponto, a tese também recorre à produção brasileira sobre educação e socialização policial (PONCIONI, 2005; ALBUQUERQUE; MACHADO, 2001; SANSONE, 2002; TAVARES DOS SANTOS, 2009). Contribuições que dialogam com as premissas acerca da crítica às formas tradicionais de educação policial e da não-linearidade da socialização policial. Elas se relacionam com o conjunto de sugestões reunidas a partir das entrevistas com policiais no sentido da alteração das situações vistas como desrespeitosas: 1. A fundação de uma “nova escola de polícia”, uma “escola nacional”, com maior carga horária destinada a estágios, diminuição de carga militarista e profissionalização da área de ensino; 2. Nesse novo formato, criação de zonas de debates em relação de confiança e igualdade sob a direção de tutores responsáveis pelo acompanhamento de estágios dos novos recrutas e oficiais, mediando, assim, o confronto entre os saberes aprendidos nas escolas de formação e a prática policial; 3. Diminuição da politização das relações intraorganizacionais através da aprovação de uma Lei Orgânica Nacional regulamentando funcionamento das organizações; previsão e direitos, garantias, prerrogativas; e bases da carreira e ascensão funcional; 4. Uma política de visibilidade e articulação da ação policial, especialmente de proximidade, através de incentivo à comunicação e participação junto à sociedade, atuando também na dimensão do “duplo conhecimento/compreensão” visando combater o machismo, o preconceito, a discriminação e o racismo; 5. Abertura e controle da polícia por órgãos externos. Estas sugestões configuram um possível horizonte de ação estratégica, demonstrando o potencial de interrelação entre universidades e organizações policiais, entre pesquisadores acadêmicos e policiais-pesquisadores, na interseção entre o projeto de Ciências Policiais, a criação de novas modalidades de ensino (como os bacharelados em segurança pública) e a reforma democrática das polícias.
Na revisão de literatura, a tese do Associado IBSP Azor Lopes da Silva Júnior (SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. O modelo brasileiro de segurança pública e a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública. Tese (Doutorado em Sociologia). UNESP, Araraquara. 2014) foi objeto de acurada atenção e considerações por Francisco Thiago Rocha Vasconcelos:
Azor Lopes Silva Júnior (2014), por sua vez, também analisa a 1ª Conseg e as deliberações do CONASP, mas como forma de problematizar as soluções propostas. A tese descarta as alternativas da desmilitarização, da unificação e da municipalização, e propõe o “ciclo completo de polícia” como medida corretiva essencial para reduzir o nível de ineficácia do aparato estatal. No ponto de vista de Silva Jr., a divisão entre uma polícia militar, responsável pela ação ostensiva com expectativa de resultados preventivos, e uma polícia civil, encarregada da investigação criminal, “conspiram para o insucesso recíproco, comprometendo a eficiência do todo enquanto sistema” (SILVA JR., 2014, p. 218). O ciclo completo de polícia, adotado em toda a América Latina, Estados Unidos da América e Europa, permitiria que polícias pudessem realizar todas estas funções de prevenção, repressão e investigação, sem que isso signifique a unificação de todas as polícias, nem a descaracterização das polícias militarizadas, que poderiam conviver e interagir com polícias civis. A inexistência de um ciclo completo de polícia levaria a embates institucionais e à falência gerencial de projetos de policiamento comunitário. Nesse sentido, o autor critica a 1ª Conseg e o CONASP por não tomarem o tema como prioridade: “os discursos se limitaram a corroborar a morbidez do aparato e, sem uma dose de pragmatismo […] no Conselho Nacional semelhante fenômeno vem se reproduzindo pela falta de uma pauta e pelo descaso do Ministério da Justiça nos governos Lula e Dilma” (SILVA JR., 2014, p. 219). O governo federal estaria se esquivando de seu poder de articulação no legislativo e de entes federados, omitindo-se na regulamentação de norma constitucional, deixando o PRONASCI em segundo plano e tornando o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) um instrumento do clientelismo político. Segundo o autor essa “esquiva” se reproduziria na forma de um […] aparente e perverso incentivo à municipalização do setor. Essa estratégia vem mascarada por políticas públicas, que se restringem a repasses gotejados de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública aos municípios, induzindo-os a que assumam a corresponsabilidade pela segurança pública, criando Guardas Municipais e alargando seu mandato para além do que a Constituição Federal admite, em ações típicas de polícia. Os municípios, mesmo sendo os entes da federação com a menor distribuição das receitas tributária, carentes de um aparelho policial que dê conta das demandas sociais, acabam por serem lançados ou atraídos ao sistema: uma revisão da Odisseia de Homero. Daí a expansão das Guardas Municipais pelo país, trazendo uma legião de novos agentes mal remunerados – ainda sim impactando os cofres municipais – ao mesmo sistema que se mostra pouco eficiente (SILVA Jr., 2014, p. 220). Diferentemente da saúde e da educação, essa direção manteria a União como expectadora e não como agente articulador de políticas públicas, em um federalismo de cooperação. Em suma, espelhando em parte uma agenda própria de setores policiais organizados, a tese de Silva Jr. propõe uma revisão da hermenêutica jurídica que fundamenta a divisão entre polícias militares e civis como responsáveis por fases diferentes de um mesmo ciclo de policiamento. Com esta modificação, seriam abertos caminhos para desonerar e potencializar as atividades das diversas organizações policiais, inclusive no sentido de melhor comtemplar os canais de comunicação e participação social, mecanismos de accountability da segurança pública como direito social.
Em nota de rodapé (n. 21, p. 87), Francisco Thiago Rocha Vasconcelos anota: “A tese foi escrita antes da criação do SUSP, razão pela qual seria interessante interrogar se o diagnóstico do autor permanece exatamente o mesmo.”; a resposta à atenta observação do autor veio, a bom tempo em 2022, com a publicação de “Gargalos da Segurança Pública no Brasil “(ISBN: 978.65.86731.23.1), após a promulgação da Lei nº 13.675, de 2018:
Mas em 12 de junho de 2018, o Diário Oficial da União publica a Lei nº 13.675 (“Lei do SUSP” – Sistema Único de Segurança Pública), com o propósito de regulamentar o disposto no § 7º do art. 144 da Constituição Federal (“A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.”), mas que na verdade já se revela tanto uma norma vazia sob o ponto de vista pragmático, quanto retórica no escopo programático.
A norma atribui à União o estabelecimento da “Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social”, reservando aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios espaço para estabelecerem suas respectivas políticas, o que não agrega nada de novo no arranjo federativo, bem porque as atribuições dos órgãos de segurança pública já é bem definida pela própria norma constitucional (Art. 144) e se amolda perfeitamente ao pétreo princípio da autonomia dos entes federados (Art. 18), que transborda aos Estados a competência legislativa para regulamentação de suas corporações policiais (polícia civil e polícia militar) e aos municípios em relação a suas guardas.
Dissemos que a norma tem caráter meramente programático porque as atividades de segurança pública são intrincadas por normas de competência privativa da União por força constitucional (Art. 22), como é o caso do direito penal, processual penal e penitenciário entre outras, fazendo com que a ideia (ou sonho) de integração entre os órgãos não passe de mera retórica ou hipocrisia histórica, que sucumbe diante de um quadro real de absoluta dissociação e corporativismos.
Tanto é fato que leis como essa, são terrenos férteis àqueles atores institucionais e grupos de pressão corporativos que, ao longo do processo legislativo, agem ao estilo “cavalo de Tróia”, tentando fazer inserir na norma em construção seus – por vezes legítimos – antigos interesses corporativos. Aqui é o caso; mimetizados entre dispositivos normativos vazios do projeto (ou programáticos, se o leitor preferir), seguiram ao Poder Executivo e foram vetados pelo Presidente da República: (1) um parágrafo de seu artigo 9º (“Considera-se de natureza policial a atividade exercida pelos agentes penitenciários” e (2) todo o teor do proposto artigo 44 (“É considerado de natureza policial e de bombeiro militar o tempo de serviço prestado pelos profissionais referidos no caput e nos parágrafos do art. 144 da Constituição Federal, pelos integrantes dos quadros efetivos da perícia oficial de natureza criminal e pelos agentes penitenciários, em todas as suas atividades, inclusive em exercício no Ministério Extraordinário da Segurança Pública e em cargos em comissão ou funções de confiança em órgãos integrantes do SUSP, vinculados à atividade-fim descrita no art. 144 da Constituição Federal.
No campo da “Justiça Restaurativa e Mediação de Conflitos”, o autor destaca a dissertação de mestrado de Vanessa Rui Fávero (p. 148; FÁVERO, V.R. Mediação de conflitos e participação popular: por uma melhor operacionalização do sistema gestor da segurança pública brasileira. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas). Universidade Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho. 2016), sobre a Mediação Comunitária e a Mediação Policial são temas centrais e onde são considerados, com destaque em epígrafe, os trabalhos e publicação do Associado IBSP Azor Lopes da Silva Júnior (SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. A sociedade em conflito e o Estado jurídico neófobo: Núcleos de Mediação Comunitária – São José do Rio Preto, SP. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília: 2014. Disponível em https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/levs/article/view/3755).
A dissertação de Vanessa Rui Fávero (2015) é um dos trabalhos que conecta sistema de justiça e de segurança pública através da mediação comunitária de conflitos como aperfeiçoamento do “sistema gestor” da segurança pública. A abordagem propõe o alargamento da utilização dos meios de ativação de justiça com uma maior participação popular, e também uma mudança cultural, com a valorização de métodos alternativos (Sistema Multiportas e Justiça Coexistencial) através do “empoderamento de atores sociais mediadores”.
Em síntese, o que se vê, na pesquisa de Francisco Thiago Rocha Vasconcelos, que inaugura essa nova série “Informes de Análise” pelo Fórum Brasileira de Segurança Pública, é o fomento à construção constante de um pensar cada vez mais qualificado sobre o sonho de uma Segurança verdadeiramente Cidadã, ao qual se une e se inspira o Instituto Brasileiro de Segurança Pública.
Azor Lopes da Silva Júnior, Prof. Dr.
Presidente do Conselho Deliberativo do IBSP
redação
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