É INCONSTITUCIONAL O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR POLICIAIS E MILITARES

De há muito o artigo 28 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994) dispõe que a atuação como advogado é incompatível, mesmo em causa própria, com uma série de atividades, dentre as quais aquelas reservadas aos “ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza” (inciso V) e aos “militares de qualquer natureza, na ativa” (inciso VI).

Todavia, em 2022, a Lei nº 14.365, incluiu dois novos parágrafos a esse artigo 28, alterando essa regra impeditiva para policiais e militares:

§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados.

§ 4º A inscrição especial a que se refere o § 3º deste artigo deverá constar do documento profissional de registro na OAB e não isenta o profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida, vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros inscritos.

Para registro histórico, vale lembrar que essa alteração, foi fruto da aprovação da Emenda de Plenário nº 14 apresentada pelo Deputado Wagner Sousa Gomes, também conhecido como Capitão Wagner (UNIÃO – CE), ao  Projeto de Lei nº 5.284/2020, apresentado originariamente pelo Deputado Paulo Abi-ackel (PSDB/MG) em 26 de novembro de 2020 e por isso, com a promulgação da Lei nº 14.365, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 7227), postulando pela declaração de inconstitucionalidade desses dispositivos incorporados, sob o argumento de que, ao permitirem o exercício da advocacia, em causa própria, pelos integrantes de órgãos de segurança pública e militares na ativa, preservando a vedação para outros integrantes do serviço público estatal dispostos no art. 28 da Lei n. 8.906/94, as normas impugnadas teriam criado “uma diferenciação odiosa e injustificável, além de atentar contra a moralidade pública e o Estado democrático de direito, violando princípios constitucionais”.

No Supremo Tribunal Federal, a ADI nº 7227 foi distribuída à relatoria da Ministra Cármen Lúcia que, em seu voto condutor, seguido pela maioria da Corte, assim decidiu por acolher a ação e declarar a inconstitucionalidade desses sobreditos §§ 3º e 4º, recém incluídos ao artigo 28 do Estatuto da Advocacia, pelos seguintes fundamentos:

“A incompatibilidade do exercício da advocacia e das funções exercidas por policiais e militares na ativa dispõe de previsão legal há décadas, tendo tido sua constitucionalidade, quanto aos policiais, apreciada por este Supremo Tribunal, que concluiu inexistir ofensa constitucional ao óbice ao exercício da advocacia pelos agentes da segurança pública, mesmo em causa própria. As incompatibilidades têm a função de resguardar a liberdade e a independência da atuação do advogado, afastando-se a subordinação hierárquica ou o exercício de atividades de Estado que exijam a imparcialidade em favor do interesse público na aplicação da lei.”

“Também os policiais estão submetidos ao regime de dedicação exclusiva, nos termos das Leis ns. 4.878/1968 e 9.654/1998 e pelo Decreto n. 59.310/1966, sendo-lhes expressamente vedado o exercício de outras atividades.”

“Os regimes jurídicos a que submetidos os policiais e militares não se compatibilizam com o exercício simultâneo da advocacia. Os policiais exercem atividades voltadas para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, orientados pela busca imparcial da verdade dos fatos. O militar da ativa tem como funções essenciais a manutenção da ordem, da segurança e da soberania do país, subordinado à estrutura hierarquizada e à disciplina na realização de tarefas submetidas a ordens de comando. Não há possibilidade de se conciliarem essas atividades com o exercício da advocacia, ainda que na atuação em causa própria, sem que ocorram conflitos de interesses e derrogação de regimes jurídicos pertinentes a cada carreira em particular.”

“Pelo exposto, voto pela conversão da apreciação da medida cautelar em julgamento de mérito e pela procedência da presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 28 da Lei n. 8.906, incluídos pela Lei n. 14.365/2022.”

 

Confira: INFORMATIVO STF Nº 1087/2023 – 24 de março de 2023

Prof. Dr. Azor Lopes da Silva Júnior
Advogado OAB/SP 355.482, Professor Universitário e Coronel da Reserva da PMESP
http://lattes.cnpq.br/6088271460892546

 

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