Jefferson de Almeida [1]
No último dia 17 o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), reuniu-se com o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para solicitar a permanência dos agentes da Força Nacional de Segurança Pública em seu estado e, para melhorar ainda mais a percepção de segurança, aproveitou o encontro para também pedir o apoio de agentes de segurança penitenciária, que devem integrar a “Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP)”; a FTIP foi criada pela Portaria nº 93, de 23 de janeiro de 2017, do então Ministro de Estado Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes[2], no governo de Michel Temer, controlada pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN e a primeira vez que foi empregada aconteceu na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, localizada no Rio Grande do Norte, de janeiro e ao longo do ano de 2017. Por força de regulação, a FTIP, se enviada ao Ceará, poderá ser composta por agentes penitenciários federais e outros cedidos pelas unidades de Federação, os quais irão participar da gestão da quinta maior população prisional do País (34.566 presos), segundo o último relatório do INFOPEN (MJ/DEPEN, 2017)[3].
Para que se tenha uma ideia da gravidade da situação, o estado do Ceará, esse último levantamento a taxa de aprisionamento era à época de 385,6 pessoas presas para cada grupo de 100 mil habitantes (nona maior taxa de aprisionamento do Brasil e um pouco – a taxa brasileira é de 696,7 pessoas privadas de liberdade para cada 100 mil brasileiros). Toda essa “massa carcerária” estava (e até hoje está), literalmente, “depositada” em 11.179 vagas distribuídas em 148 unidades prisionais, o que indica a necessidade de disponibilização de mais de 23.000 vagas no sistema prisional, como indicado no INFOPEN.
Sob outra ótica, em entrevista com o presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP)[4] foram destacadas duas reflexões sobre o tema: (1) argumentou o entrevistado a baixa participação da União no acolhimento dos presos da Justiça Federal[5], apresentando dados e indicando as fontes de que do total de 2271 presos da Justiça Federal, apenas 832 vagas existentes em presídios federais, das quais somente 492 eram ocupadas no final de 2017, sendo os demais presos mantidos nos presídios estaduais[6]; (2) pontuou ainda que haveria que se considerar que o discurso sobre o tema nem sempre é pautado pelo emprego de metodologias simétricas, levando a conclusões nem sempre corretas; ainda que a Lei de Execução Penal atribua competência ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Artigo 64, VII), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por força da a Lei nº 12.403/2011, que acrescentou o artigo 289-A ao Código de Processo Penal, editou a Resolução nº 137/2011 instituindo o Banco Nacional de Mandado de Prisão (BNMP); diferentemente do que aponta o DEPEN, o CNJ em 2018 registrava a existência de 600.669 total de presos, dos quais “somente” 266.416 se encontram no regime fechado[7], o que faz pôr em xeque o emprego da retórica “massa de encarcerados” de mais de 700 mil, comumente anunciada…
A despeito das considerações metodológicas apontadas e dos problemas de nosso federalismo de cooperação, a realidade evidencia que situação é grave e não basta solicitar reforço. É preciso que o Ceará cumpra sua parcela de responsabilidade, que construa vagas no sistema, que execute os recursos federais transferidos de forma voluntária e obrigatória e atue na verificação da real necessidade de manter um elevado número de presos provisórios dentro do sistema.
Infelizmente, pedir reforço não resolve o problema.
NOTAS
[1] Advogado, Doutor em Ciências Policiais e Ordem Pública, Mestre em Adolescência em Conflito com a Lei, foi Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN/MJ responsável pela elaboração do “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Atualização) – Junho de 2016” publicado em 2017. Atualmente é Diretor do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP) no estado de São Paulo.
[2] Foi pela Portaria nº 93, de 23 de janeiro de 2017, do então Ministro de Estado Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, que se concebeu e autorizou a criação de uma “Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária” (FTIP) no âmbito do Departamento Penitenciário Nacional e da Força Nacional de Segurança Pública, em apoio aos Governos de Estado, para situações extraordinárias de grave crise no sistema penitenciário. Essa força-tarefa seria composta por agentes federais de execução penal, agentes penitenciários estaduais e do Distrito Federal, na forma dos Acordos ou Convênios de Cooperação Federativa da Força Nacional de Segurança Pública celebrados com os Estados e o Distrito Federal para a execução de atividades e serviços de guarda, vigilância e custódia de presos, previstas no art. 3º, IV, da Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007. Seu contingente seria cedido mediante convocação às unidades federativas conveniadas com a União, obedecendo ao planejamento definido pelos entes envolvidos na operação, sob Coordenação Institucional do ministério, por seu então Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/20592667. Acesso em: 18 jan. 2019.
[3] O “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Atualização) – Junho de 2016” produzido pelo Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, e publicado em 2017, dá conta de que em junho de 2016 a população carcerária no Brasil era de 726.712 (Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, Junho/2016. Secretaria Nacional de Segurança Pública, Junho/2016; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dezembro/2015; IBGE, 2016). Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorio_2016_22-11.pdf. Acesso em 18 jan. 2019.
[4] É fundador e atual presidente do IBSP o professor doutor Azor Lopes da Silva Júnior (http://lattes.cnpq.br/6088271460892546).
[5] Refere o presidente do IBSP que os quatro presídios federais exitentes (Porto Velho/RO, Mossoró/RN, Campo Grande/MS e Catanduvas/PR) oferecem 832 vagas, enquanto os dados do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 6 de agosto de 2018, evidenciam que da população carcerária do Brasil contabilizada naquele momento em 602.217, os presos das justiças estaduais eram 599.202, enquanto 2.271 eram da Justiça Federal (482 outros indivíduos estavam presos por força de mandados decretados tanto pela justiça estadual quanto pela Justiça Federal).
[6] Dados do Conselho Nacional de Justiça; Cf. em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87153-presidios-federais-sao-a-excecao-na-crise-carceraria-nacional
[7] A pesquisa do CNJ, apesar de não contar com dados completos dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, “Excetuadas as pessoas presas exclusivamente por processos criminais sem condenação e desconsideradas as internações (medida de segurança), e analisada a informação atinente a todas as guias de recolhimento provisórias e definitivas cadastradas no BNMP 2.0, chega-se à conclusão que 266.416 pessoas presas se encontram no regime fechado, 86.766 pessoas no regime semiaberto e 6.339 pessoas no regime aberto cumprindo esta pena em casa do albergado”. (Banco Nacional de Monitoramento de Prisões – BNMP 2.0: Cadastro Nacional de Presos, Conselho Nacional de Justiça, Brasília, agosto de 2018. p. 41; 44. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909b3e1819fc4c3ef4.pdf. Acesso em: 18 jan. 2019).
redação
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Parabéns pelo comentário minucioso e equilibrado.
Agradecemos sua participação.
Continue avaliando nossas publicações.
Atenciosamente,
Azor Lopes da Silva Júnior, presidente IBSP
Parabéns.
Artigo esclarecedor e contemporâneo.
Tema esse que merece atenção mais apurada do Governo Federal.
O IBSP agradece sua participação e comentários.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Azor Lopes da Silva Júnior, Presidente IBSP.