NOVAS PERSPECTIVAS E VELHOS PARADIGMAS DA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA

 

ALEX JORGE DAS NEVES,
Major da Polícia Militar de Goiás,
Mestre em Estudos Fronteiriços – UFMS.
É Diretor do IBSP no Estado de Goiás


 

Nos dias 19 de 20 de fevereiro de 2019, ocorreu nas instalações do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília, uma reunião do Colégio Nacional dos Secretários de Segurança Pública (CONSESP), importante órgão colegiado que congrega todos os Secretários de Segurança Pública do Brasil. A reunião foi importante por ter sido a primeira oportunidade de discussões integradas entre o Ministério, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e os secretários estaduais empossados recentemente.

Durante a reunião, foi apresentado pelo Secretário Nacional de Segurança Pública, General Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, diversos temas que podem representar as prioridades que estão sendo desenhadas no âmbito da Política Nacional de Segurança Pública e Sistema Único de Segurança Pública, ambas instituídas através da Lei nº 13.675/2018.

Inicialmente, foi dada ênfase às prioridades estratégicas e políticas já estabelecidas pelo Presidente da República Jair Bolsonaro e Ministro de Estado da Justiça e Segurança Sérgio Moro, que tratam da necessidade do enfrentamento sistêmico dos crimes violentos, corrupção e ao crime organizado. Na sequência, o Secretário Nacional demonstrou algumas políticas já em andamento no Ministério e que precisam ser reforçadas e aprimoradas, a exemplo da necessidade de melhorar e otimizar a integração e articulação das instituições de segurança pública, conforme previsto na lei 13.675/2018, que estabeleceu o Sistema Único de Segurança Pública no país; a valorização dos profissionais de segurança pública; o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (SINESP); a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG); modelo de regulamento nacional de segurança contra incêndio e emergência, conforme Lei nº 13.425/2017; proposta de enfrentamento a criminalidade violenta; aperfeiçoamento dos mecanismos de governança e gestão nas instituições e criação de prêmios nacionais de reconhecimento de boas práticas em segurança pública.

Outra pauta enfatizada pelo Secretário, diz respeito ao aprofundamento das políticas de valorização profissional, inclusive, depois da aprovação da Lei 13.756/2018, 10% a 15% dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública deverão ser aplicados obrigatoriamente em programas habitacionais e melhoria da qualidade de vida dos profissionais de segurança pública, demonstrando o espírito do SUSP e da Política Nacional de Segurança Pública em reconhecer o papel desses profissionais no contexto atual. Ainda nesse cenário, foi mencionado a necessidade do estabelecimento de parâmetros mínimos de padronização e uniformização em alguns temas, como promoções e planos de carreira, formação dos profissionais de segurança pública, estruturas físicas, armamentos letais e de menor potencial ofensivo, equipamentos de proteção individual e coletivo, desenvolvimento de viaturas específicas e projetadas para atividade policial, etc.

O Secretário Nacional também tocou em pontos sensíveis e controversos, que poderá ser dado um tratamento e diálogo apropriado para superação das divergências, a exemplo da lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO)[1] pelas polícias militares, bem como a existência de lista tríplice para Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Chefes de Polícia das Polícias Civis, com a finalidade de atenuar ingerências políticas.

Por fim, o Secretário Nacional propôs a realização de um estudo sobre a viabilidade de criação de uma Guarda Nacional permanente para atuar em fronteiras e costa marítima, visando aumentar o controle e a repressão ao tráfico, contrabando e desonerar os estados com efetivos cedidos para Força Nacional. Sobre esse último tema, houve inúmeras intervenções dos Secretários, questionando a efetividade da Força Nacional e a viabilidade da criação de uma Guarda Nacional. Apesar do tema ser bastante controverso, é importante destacar que há uma constante cobrança da sociedade sobre a necessidade de um controle mais efetivo do tráfico de drogas, armas e contrabando, que passa pela necessidade de atuação prioritária nas regiões de fronteira e costa marítima.

Atualmente, a Polícia Federal é a instituição com competência constitucional para realizar tais atribuições[2], porém, a realidade é bem diferente do que está previsto, havendo inúmeras deficiências no controle pela falta de estrutura e efetivo da Polícia Federal e de outras instituições federais responsáveis por esse controle, que ainda não possuem estruturas e competências exclusivas e dedicadas ao tema.

Algumas experiências nacionais e internacionais podem trazer parâmetros interessantes sobre esse tema proposto pelo Secretário Nacional de Segurança Pública. No cenário brasileiro foram mapeadas todas unidades policiais especializadas em operações em fronteiras e vias hídricas (rios, lagos, canais e mar), num estudo realizado pela SENASP denominado “Metodologias de Funcionamento e Estruturação de Unidades Especializadas de Fronteira[3]. Algumas dessas Unidades Policiais se destacam dentre as outras, a exemplo do Departamento de Operações de Fronteiras (DOF) do Mato Grosso do Sul (MS), o Grupo Especial de Segurança de Fronteiras (GEFRON) do Mato Grosso (MT), Batalhão de Polícia Militar de Fronteira (BPFRON) do Paraná e o Núcleo Especial de Polícia Marítima (NEPOM) da Polícia Federal. No que tange ao modelo de atuação em regiões de divisas, uma prática exitosa que pode servir de parâmetro para outros estados e para própria SENASP, é o Comando de Operações de Divisas (COD) da Polícia Militar de Goiás, que exerce um trabalho de enfrentamento ao tráfico, contrabando e assaltos a bancos nas divisas com os estados fronteiriços (MT e MS) e mais outros quatro estados, criando uma segunda malha de fiscalização e repressão fora dos limites e estados fronteiriços.

No cenário internacional, algumas experiências apontam para necessidade de políticas sistêmicas de controle e fluxo de substâncias e produtos ilícitos, a partir do controle mais eficiente nos moldais terrestres, aéreos e marítimos, além de rotas, corredores e águas interiores, com estruturas estatais permanentes e com dedicação exclusiva para esse controle, modelo ainda inexistente no Brasil, seja para atuação nas regiões de fronteira ou costa marítima.  Pelo fato de termos 16.885 quilômetros de limites internacionais ou mesmo 6,8% dos limites internacionais do planeta, que compreende a terceira maior extensão de limites fronteiriços do mundo, faz necessário o estabelecimento de estruturas com dedicação exclusiva para exercer as atividades de controle permanente nas áreas de fronteira e costa marítima. Outros modelos no mundo podem inspirar o Brasil, conforme podemos verificar em alguns estudos realizados pela própria SENASP sobre políticas de segurança pública nas regiões de fronteira dos Estados Unidos, México, União Europeia, China, Rússia e Índia.

Nesses estudos, a questão comum verificada na maioria dos países é exatamente da existência de estruturas e órgãos dedicados ao tema, exclusivas e respaldadas em políticas sistêmicas de controle. Tais estudos estão disponíveis para acesso no sítio do Ministério da Justiça e Segurança Pública[4].

Esgotadas as discussões sobre a Guarda Nacional, Força Nacional e outros tópicos de caráter geral da segurança pública, os Secretários concentraram o debate em torno do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e do financiamento da segurança pública. Houve muitos questionamentos sobre a previsão de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, sendo unânime o entendimento que o volume de recursos previstos é irrisório frente os grandes desafios, não sendo possível de interferir no status atual, sendo necessário um esforço sobre o tema, sem o qual não será possível a efetividade das políticas nacionais, programas e projetos gestados na Secretaria Nacional.

Os secretários apontaram informações, apontadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública[5], demonstrando que o gasto da segurança pública no Brasil no ano de 2017 foi de aproximadamente R$ 84 bilhões, sendo que cerca de R$ 70 bilhões foram gastos pelos Estados, aproximadamente R$ 5 bilhões pelos municípios e cerca de R$ 9,7 bilhões pelo Governo Federal (incluindo o custeio da PF e PRF). Nesse contexto, é importante destacar, que a partir de análise de dados da Secretaria de Orçamento Federal – SOF[6], foi possível verificar que a SENASP empenhou aproximadamente R$ 14 bilhões entre 2001 e 2018, em recursos direcionados para ações junto a Estados, Municípios, além da gestão da própria Secretaria, porém, desse valor, aproximadamente R$ 8,5 bilhões foram efetivamente pagos ou liquidados, totalizando uma média de R$ 500 milhões por ano, recursos ínfimos frente a necessidade e extensão dos graves problemas da segurança pública no Brasil. A título de comparação, o gasto da União em saúde entre 2003 e 2017, a partir de análise de dados realizado pela organização Contas Abertas, a pedido do Conselho Federal de Medicina[7], foi de aproximadamente R$ 1,6 trilhão empenhados e R$ 1,45 trilhão efetivamente pagos, sendo que a diferença, ou seja, o que estava previsto, mas não foi executado pelo Ministério da Saúde, chega ao exorbitante valor de R$ 173 bilhões, uma média de R$ 11.5 bilhões por ano, somente esses gastos não executados em quinze anos, poderia ter contribuído significativamente com a segurança pública no Brasil.

De posse dos dados repassados pela SENASP aos Secretários de Segurança Pública, sobre o repasse fundo a fundo, de pelo menos 50% dos recursos oriundos de arrecadação das loterias, a partir dos percentuais previstos na Lei nº 13.756/2018 e limites orçamentários da SENASP para 2019, foi possível certificar que esse montante não chegaria nem mesmo a         R$ 500 milhões para rateio entre todos os Estados e o Distrito Federal, causando certa insatisfação, inúmeros questionamentos e proposituras dos gestores para buscarem outras alternativas de financiamento, não solucionada pela nova lei do Fundo Nacional. O sentimento da maioria é que houve certa manobra orçamentária no ano passado (2018), que não acrescentou recursos efetivos para Segurança Pública em 2019 e uma grande apreensão em relação ao próximo Plano Plurianual (PPA) e respectivas leis orçamentárias anuais.

Nesse contexto, os secretários de segurança pública elencaram como ação prioritária a articulação junto aos governadores, parlamentares e ao Governo Federal, para busca de outras fontes e possibilidades de evolução exponencial dos gastos da União na área da segurança pública, especialmente pelo fato de ter sido a principal bandeira encampada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que inclusive teve um forte apelo sobre o tema e apoio dos profissionais de segurança pública. Sendo assim, o CONSESP definiu como encaminhamento a proposta de realizar uma nova rodada de reuniões, contando com a presença do Secretário Nacional, Ministro e Presidente da República, a partir da segunda quinzena de março de 2019. Na ocasião, deverá ser apresentado um estudo e proposta do CONSESP para envolvimento efetivo da União nos gastos com a Segurança Pública.

É claro o entendimento que existem inúmeras questões importantes a serem tratadas no contexto da segurança pública, a exemplo do modelo policial brasileiro; definição mais clara do papel dos municípios na segurança pública; a gestão administrativa e operacional das instituições; a ineficiência e morosidade do Sistema de Justiça Criminal e Sistema Prisional, dentre inúmeros outros problemas. Apesar disso, é fundamental um maior envolvimento, protagonismo e responsabilidades da União nos aspectos gerais da segurança pública e isso passa necessariamente por pensar estratégias e também definição política de destinação de recursos permanentes e exponencialmente superiores ao que vem ocorrendo nas últimas décadas, sob pena de dificuldade do Governo Federal liderar uma concertação nacional para redução da violência e a criminalidade, que já alcança mais de 63.000 homicídios ao ano, compreendendo  entre 11% a 13% dos homicídios do planeta.

 

REFERÊNCIAS

Políticas de segurança pública nas regiões de fronteira da China, Rússia e Índia: Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) / organização, Alex Jorge das Neves, Gustavo de Souza Rocha, José Camilo da Silva. – Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.

Políticas de segurança pública nas regiões de fronteira da União Europeia: Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) / organização, Alex Jorge das Neves, Gustavo de Souza Rocha, José Camilo da Silva. – Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.

Políticas de segurança pública nas regiões de fronteira dos Estados Unidos e México: Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) / organização, Alex Jorge das Neves, Gustavo de Souza Rocha, José Camilo da Silva. – Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.

Políticas de segurança pública nas regiões de fronteira da União Europeia: Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) / organização, Alex Jorge das Neves, Gustavo de Souza Rocha, José Camilo da Silva. – Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.

Segurança pública nas fronteiras, sumário executivo: Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) / organização, Alex Jorge das Neves [et al.]. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.

Metodologias de funcionamento e estruturação de unidades especializadas de fronteira: Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) / organização, Alex Jorge das Neves, José Camilo da Silva, Sérgio Flores de Campos. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.

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NOTAS

[1] “Termo Circunstanciado de Ocorrência” (TCO) ou simplesmente “Termo Circunstanciado” (TC) é o procedimento formal de registro de infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes cuja pena máxima prevista em lei não seja superior a 2 anos), cuja marca é a simplificação, que substitui o Inquérito Policial nos termos da Lei nº 9099, de 1995. Em 13 Estados brasileiros as respectivas Polícias Militares lavram o TCO nos delitos menores e encaminham diretamente ao Poder Judiciário sem a interveniência da Polícia Civil; Tribunais de Justiça de outros tantos Estados também já editaram normas autorizando idêntico procedimento, porém ainda hoje entraves corporativistas vêm impedindo que isso se torne uma boa prática nacional. Confira em: https://www.ciclocompleto.com.br//pagina/1726/panorama-do-tco—termo-circunstanciado-de-ocorrecircncia-realizado-pela-poliacutecia-militar-no-brasil ; Confira-se também: https://ibsp.org.br/pensamento-socionormativo-da-seguranca-publica/tribunal-de-justica-do-ceara-autoriza-magistrados-a-receberem-termos-circunstanciados-lavrados-pela-policia-militar/

[2] Sobre o tema confira-se: https://ibsp.org.br/pensamento-socionormativo-da-seguranca-publica/um-pouco-mais-do-de-sempre-uma-policia-federal-fardada/

[3] Disponível em: http://www.seguranca.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/download/outras _publicacoes/pagina-3/unidades-especializadas-de-fronteira.pdf

 

[4] Disponível em: http://www.seguranca.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-esquisa/acervo/pagina_ outraspublicacoesMJ/pagina-3/outras-publicacoes.

 

[5] Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/08/FBSP _Anuario_Brasileiro_Seguranca_Publica_Infogr%C3%A1fico_2018.pdf

 

[6] Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais

 

[7] Disponível em: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27411:2018-01-31-12-44-06&catid=3

 

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