Da Redação[1]
No último dia 12 de janeiro de 2018 foi publicada a Lei nº 13.614, cuja vigência ocorrerá dentro de 60 dias e que cria o “Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito”.
A proposta surgiu na Câmara dos Deputados, na forma do Projeto nº 8.272/2014 apresentado pelos deputados Beto Albuquerque (PSB-RS) e Paulo Foletto (PSB-ES), sob a justificativa de que o Brasil é signatário de Resolução da ONU[2], que designou o período de 2011 a 2020 como a “Década de Ação pela Segurança no Trânsito”, com o objetivo de reduzir o número de mortes no trânsito, e que, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentava uma média mundial de 8 mortos por grupo de cem mil habitantes, o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil revelava, no ano de 2014, 20 mortes por grupo de cem mil habitantes.
Em síntese, a nova lei determina que sejam divulgados oficialmente, até o dia 31 de março de cada ano, os índices de “mortos por grupo de veículos” e de “mortos por grupo de habitantes”, a partir do que se estabelecerá um sistema de metas anuais[3] de redução para um mínimo de metade até o final da década (detalhe: nossa década é 2018-2027, portanto não coincide com aquela da ONU).
Sob o prisma da metodologia científica, parece-nos que a lei foi feliz ao prever dois universos para formulação dos indicadores: “mortos por grupo de veículos” e “mortos por grupo de habitantes”, cruzando elementos importantes e distintos (frota de veículos e população locais), que não se confundem e que merecem ser considerados em equilíbrio na formação do índice dirigido à formulação de políticas públicas de segurança viária. Ocorre que, por uma série de fatores – notadamente socioeconômicos – nem sempre coincidem “população” e “população motorizada” nas diversas regiões de nosso país e, sem sombra de dúvidas, para se determinar os níveis de violência no trânsito o tamanho da frota deve ser tomado como mais preponderante que qualquer outro.
No processo legislativo de aprovação do projeto, merece destaque que, em sua passagem pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado[4] o relator, senador Roberto Rocha, não conseguiu incorporar uma emenda de sua autoria ao projeto, na qual se estabelecia como forma de punição aos Estados que não atingissem as metas um aumento de suas contribuições ao Fundo Nacional de Segurança e Educação para o Trânsito (FUNSET)[5]; justificou o Senador que “[a norma] não é cogente, uma vez que não estabelece nenhuma consequência no caso do seu descumprimento”.
Com razão a proposta do senador Roberto Rocha; parece-nos que, se a lógica e o escopo que movem a aplicação de multas aos infratores das normas de trânsito são a educação e a redução de acidentes – e não a arrecadação – parece que seria igualmente razoável penalizar os Estados que se mostrarem ineficientes, não atingindo suas próprias metas, com uma forma de “desapropriação” de parte desses valores arrecadados e que deveriam se reverter exclusivamente no trânsito.
Quando ao detalhe da diferença entre a “Década de Ação pela Segurança no Trânsito” (2011 a 2020) estabelecida pela ONU e a nossa década do “Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito” (2018-2027) estabelecida pela Lei nº 13.614, mesmo considerado o natural trâmite do processo legislativo, só resta dizer que, além de não sermos referência na comunidade internacional em matéria de segurança viária, ainda tardamos um pouco nesse projeto de engajamento mundial.
[1] Por Azor Lopes da Silva Júnior, Doutor em Sociologia (Unesp), Mestre (Universidade de Franca) e Especialista (Unesp) em Direito. Advogado, Professor Universitário (UNIRP) e Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (ibsp.org.br). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6088271460892546. https://orcid.org/0000-0002-6340-6636.
[2] “Resolution adopted by the General Assembly on 19 April 2012, 66/260. Improving global road safety”. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/474/42/PDF/N1147442.pdf?OpenElement.
[3] A lei estabelece que as metas deverão expressar a diferença a menor, em base percentual, entre os índices mais recentes, oficialmente apurados, e os índices que se pretende alcançar, bem como suas margens de tolerância. Os Conselhos Estaduais de Trânsito (Cetran), o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (Contrandife) e o Departamento de Polícia Rodoviária Federal deverão realizar consultas ou audiências públicas para manifestação da sociedade e, assim, apresentarão suas respectivas propostas de anuais ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão encarregado de fixá-las em todo o Brasil.
[4] No Senado o projeto recebeu nova designação: Projeto de Lei da Câmara nº 47, de 2016.
[5] O artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que “A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”; os parágrafos § 1º e 2º desse mesmo artigo estabelecem que “o percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito” e que “o órgão responsável deverá publicar, anualmente, na rede mundial de computadores (internet), dados sobre a receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito e sua destinação”. A Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 2.613, de 3 de junho de 1998 disciplinam a arrecadação e aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito – FUNSET.
redação
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