Da Redação[1]
O Diário Oficial da União do dia 12 de junho de 2018 publica a Lei nº13.675 (“Lei do SUSP” – Sistema Único de Segurança Pública), com o propósito de regulamentar o disposto no § 7º do art. 144 da Constituição Federal (“A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.”), mas que na verdade já se revela tanto uma norma vazia sob o ponto de vista pragmático, quanto retórica no escopo programático.
A norma atribui à União o estabelecimento da “Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social”, reservando aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios espaço para estabelecerem suas respectivas políticas, o que não agrega nada de novo no arranjo federativo, bem porque as atribuições dos órgãos de segurança pública já é bem definida pela própria norma constitucional (Art. 144) e se amolda perfeitamente ao pétreo princípio da autonomia dos entes federados (Art. 18), que transborda aos Estados a competência legislativa para regulamentação de suas corporações policiais (polícia civil e polícia militar) e aos municípios em relação a suas guardas.
Dissemos que a norma tem caráter meramente programático porque as atividades de segurança pública são intrincadas por normas de competência privativa da União por força constitucional (Art. 22), como é o caso do direito penal, processual penal e penitenciário entre outras[2], fazendo com que a ideia (ou sonho) de integração entre os órgãos não passe de mera retórica ou hipocrisia histórica, que sucumbe diante de um quadro real de absoluta dissociação e corporativismos.
Tanto é fato que leis como essa, são terrenos férteis àqueles atores institucionais e grupos de pressão corporativos que, ao longo do processo legislativo, agem ao estilo “cavalo de Tróia”, tentando fazer inserir na norma em construção seus – por vezes legítimos – antigos interesses corporativos.
Aqui é o caso; mimetizados entre dispositivos normativos vazios do projeto (ou programáticos, se o leitor preferir), seguiram ao Poder Executivo e foram vetados pelo Presidente da República: (1) um parágrafo de seu artigo 9º (“Considera-se de natureza policial a atividade exercida pelos agentes penitenciários” e (2) todo o teor do proposto artigo 44 (“É considerado de natureza policial e de bombeiro militar o tempo de serviço prestado pelos profissionais referidos no caput e nos parágrafos do art. 144 da Constituição Federal, pelos integrantes dos quadros efetivos da perícia oficial de natureza criminal e pelos agentes penitenciários, em todas as suas atividades, inclusive em exercício no Ministério Extraordinário da Segurança Pública e em cargos em comissão ou funções de confiança em órgãos integrantes do Susp, vinculados à atividade-fim descrita no art. 144 da Constituição Federal.”.
Em verdade, o interesse dos agentes penitenciários em se transformarem em “carreira policial” não é recente; já em 1989 a Constituição do Estado do Rio de Janeiro tentava essa inclusão ao dispor “A segurança pública, que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais, … é exercida … pelos seguintes órgãos estaduais: II – Polícia Penitenciária;” (Art. 183); veio em maio de 1992 a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 236, no sentido de que a atividade de vigilância intramuros nos estabelecimentos penais não possui natureza policial.
Mais tarde, no ano de 2004 nova tentativa surgiria pela via de Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC 308/2004 e outras mais recentes apensadas à ela); também na 1ª (e única) Conferência Nacional de Segurança Pública (2009), o tema foi habilmente articulado, resultando em diretriz sufragada com mais de 1.000 votos[3].
Agora, o veto oposto pelo Presidente da República toma essa antiga decisão do STF (ADI 236) como paradigma e ainda agrega à sua justificativa: “Além disso, os serviços penais de atenção à pessoa privada de liberdade exigem políticas e instrumentos que não se confundem com a segurança estrita”.
Aqui destacamos nossa opinião de que a norma não trará nenhuma alteração no sistema que pretende implantar, isto porque se perde em definir “Princípios” (Art. 4º), “Diretrizes” (Art. 5º), “Objetivos” (Art. 6º), “Conselhos e Conselheiros, Metas, Controle & Transparência e Educação” (Arts. 19-21; 25, 33, 35; 38); quando muito, quem espera algo mais concreto e tangível, somente vai encontra-lo nas disposições finais da lei, quando ela estabelece que os entes federados integrantes do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp) que deixarem de fornecer ou atualizar seus dados no sistema não poderão receber recursos do Funpen e do Pronasci…
[1] por Azor Lopes da Silva Júnior, Doutor em Sociologia (Unesp), Mestre (Universidade de Franca) e Especialista (Unesp) em Direito. Coronel da Reserva da PMESP, Advogado, Professor Universitário (UNIRP) e Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (ibsp.org.br). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6088271460892546. https://orcid.org/0000-0002-6340-6636.
[2] Constituição Federal. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: III – requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; XI – trânsito e transporte; XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; XXII – competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais; XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;
[3] 6.6 A – Manter no Sistema Prisional um quadro de servidores penitenciários efetivos, sendo específica a eles a sua gestão, observando a proporcionalidade de servidores penitenciários em policiais penais. Para isso: aprovar e implementar a Proposta de Emenda Constitucional 308/2004; garantir atendimentos médico, psicológico e social ao servidor; implementar escolas de capacitação. (1095 VOTOS).
redação
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