“MORTES NOS MORROS DO RIO: OS DEBATES NO STF”
Azor Lopes da Silva Júnior,
Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Ao longo de todo o dia 19 de abril de 2020, os canais do Supremo Tribunal Federal e da TV JUSTIÇA no Youtube, transmitiram em tempo real a segunda audiência pública promovida pelo Ministro Edson Fachin, para discutir a letalidade policial, ou seja, as causas de mortes decorrentes de confronto nas favelas ou comunidades do Rio de Janeiro; os debates estão disponíveis e vale a pena conferir.
Esse debate acontece dentro do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 635/RJ, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro em 19 de novembro de 2019, apontando que 75,5% das vítimas de homicídios são indivíduos negros, tendo havido um aumento, entre 2007 e 2017, da ordem de 11,5%, revelando que política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro viola a Constituição Federal e os tratados de direitos humanos de que faz parte o Brasil.
Destacam-se dentre os pedidos, que o Estado seja obrigado “a formulação de plano de redução da letalidade policial e de controle de violações de direitos humanos”, plano que deveria ser homologado pelo STF; o partido chega a requerer “a vedação ao uso de helicópteros como plataformas de tiro ou instrumentos de terror”, e acusa até o Poder Judiciário, ao reclamar pela “a obrigatoriedade de que os órgãos do Poder Judiciário, ao expedir ordem de busca e apreensão, indiquem, de forma mais precisa possível”, numa crítica aos chamados mandados genéricos de busca domiciliar, pois que nas favelas as moradias não têm identificação precisa nem limites bem estabelecidos, o que nada mais é do que uma estratégia dos traficantes.
Ocorre que, em meio à pandemia, o partido requereu uma medida cautelar depois de, conforme sua narrativa, no “dia 15 de maio último [2020], uma operação conjunta do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar e da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos da Polícia Civil no Complexo do Alemão resultou em 13 (treze) mortes”; segue-se narrando que em “18 de maio de 2020, apenas três dias após a chacina do Alemão, uma operação da Polícia Federal com apoio das polícias fluminenses, especialmente da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil, foi realizada na Praia da Luz, Ilha de Itaoca, na cidade de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. A operação, que contou com veículos blindados e aeronaves, resultou na morte de João Pedro Mattos Pinho, de apenas 14 anos de idade”; a narrativa é finalizada dizendo que no “mesmo dia da morte de João Pedro, por volta das seis horas da manhã, policiais do BOPE e do Batalhão de Choque da Polícia Militar iniciaram operação na Favela de Acari. […] . Na ocasião, Iago César dos Reis Gonzaga, de 21 anos, foi morto por agentes de segurança”.
Assim, a crítica atinge o Poder Judiciário, polícia federal, a polícia civil e a polícia militar, além de requerer uma série de medidas, que sugerem atual omissão do Ministério Público no enfrentamento da questão.
Acolhendo esses argumentos, em 5 de junho de 2020 o Ministro Edson Fachin concedeu a seguinte liminar e referendada pelo plenário do STF em 05 de agosto seguinte: “que, sob pena de responsabilização civil e criminal, não se realizem operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – responsável pelo controle externo da atividade policial; e “que, nos casos extraordinários de realização dessas operações durante a pandemia, sejam adotados cuidados excepcionais, devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária”.
Assisti, desde às 08h até o final da tarde, à poética narrativa de acadêmicos pesquisadores, que demonizavam as forças de segurança do Estado e, pouco ou quase nada, falavam da realidade, de que o tráfico de drogas não só intimida a população pobre, como alicia seus filhos ao crime organizado; também não foram capazes de articular ideias ou demonstrar esforço acadêmico de pesquisas que comprovassem que as armas de guerra que os “soldados do tráfico carioca” portam e as drogas que os menores “aviõezinhos” vendem não são produzidas no Brasil, mas atravessam por nossas fronteiras e aeroportos, a conta de uma histórica omissão do Governo Federal; sim, segundo a Constituição Federal, é à União que, nos termos do artigo 21, inciso XXII, compete com exclusividade “executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras”, funções que, segundo o artigo 144, § 1º, inciso III, deveriam ser exercidas pela Polícia Federal.
Para um choque de realidade, vale a cada um de nós rever as cenas registradas no Morro do Alemão, ao longo do dia 28 de novembro de 2010, pela imprensa nacional – e repercutidas em todo o mundo – mais de uma década atrás, e respirar um pouco mais de verdade entre essa realidade e os discursos; é preciso que a academia produza ciência a partir de hipóteses não enviesadas em pré-conceitos que se desdobrem em uma adequada coleta de dados para produzir análises mais lógicas e reais. Digo isso não em tom de discurso, mas como quem já trilhou toda a trajetória acadêmica até o nível de pós-doutoramento, sempre lutando por uma ciência mais apartada de qualquer matiz ideológica, porque o que legitima uma pesquisa científica não é simplesmente a análise, mas principalmente o método adotado para a coleta dos dados. Na ciência, pouco importam as opiniões e as ideologias que as inspiram; o que demonstra a força da análise científica são os alicerces da metodologia.
Daí porque é pobre o discurso retórico, em torno da “letalidade policial”, de que muito mais “suspeitos são assassinados” do que o número de policiais mortos nos confrontos; é falho o argumento de que aqui se tem “um genocídio” da população negra, quando o IBGE em 2020 quantifica 56,10% de nossa população como negra ou parda, enquanto no Rio de Janeiro esse percentual chega a 66,5.
A verdade é que a sociedade civil não consegue entender – enquanto a academia não se põe a explicar – o porquê ainda o narcotráfico domina os morros da “Cidade Maravilhosa” e no centro da capital paulista ainda se vê a céu aberto a grotesca “Cracolândia”.
redação
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