A Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares

Prof. Dr. Azor Lopes da Silva Júnior
Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo
Advogado e Presidente do Conselho Deliberativo do IBSP

O grande mérito da Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares (Lei nº 14.751, de 2023) talvez seja o fato de que ela reconhece, num momento histórico de redemocratização consolidada ao longo de 35 anos, a imprescindibilidade das Polícias Militares ao Estado Democrático de Direito, incorporando seus avanços institucionais, técnicos e de proximidade com a sociedade civil na proteção social, viária e ambiental, bem como referendando o status de militares estaduais, dentro de um estatuto jurídico moderno.

Passadas mais de duas décadas de tramitação bicameral, após a aprovação do então Projeto de Lei nº 4.363, de 2001, especulava-se que sobreviriam mais de 60 vetos, o que não ocorreu; foram 25 vetos ao todo e plenamente justificáveis.

Com efeito, parecia haver um indevido avanço nas atribuições particulares e excepcionais das Forças Armadas, quando o projeto (Art. 5º, IX e 6º, X) impunha a participação dos militares estaduais no planejamento e nas ações destinadas à garantia dos poderes constituídos, da lei, da ordem e da defesa territorial, quando convocadas ou mobilizadas pela União. Igualmente quando o projeto estabelecia (Art.5º, XIX ), com exclusividade, o exercício dos poderes hierárquico e disciplinar concernentes à administração pública militar, ainda que no âmbito da instituição, de fato estaria inconstitucionalmente afastado o poder dos governadores, aos quais se acham subordinadas (CF, Art. 144, 6º).

Na mesma linha, talvez mal compreendido e porque com redação dúbia, quando o projeto previa em seu artigo 10, § 8º, que “A Ouvidoria, subordinada diretamente ao comandante-geral, poderá ser criada, na forma da lei do ente federado”, era possível uma leitura no sentido de que os Governadores não poderiam manter órgãos estaduais de Ouvidorias externas.

No tocante à investidura no cargo de militar estadual, de fato o projeto seguia na contramão da jurisprudência constitucional hoje dominante, ao reservar percentual de vagas nos concursos públicos a integrantes da carreira (Art. 15, §§ 1º e 2º) e estabelecer limite mínimo à admissão de mulheres (Art. 15, § 6º).

Dispositivos que buscavam regulamentar promoções na carreira[1] foram considerados contrários ao artigo 18 (prevê a autonomia dos entes federados), ao artigo 22, inciso XXI (limita a competência legislativa da União à edição de normas gerais), ao artigo 42, § 1º (remete aos Estados a competência para legislar sobre investidura, prerrogativas, remuneração e inatividade dos seus militares), e ao artigo 144, § 6º (subordina as polícias militares aos governadores), todos da Constituição da República; igualmente foram vetados dispositivos que tratavam do sistema de proteção social, bem como de pensão e benefícios remuneratórios por cônjuge e dependente do militar, inclusive quando preso, traslado de militar acidentado e auxílio funeral,  por incompatibilidade com o artigo 167, § 7º, da Constituição Federal[2].

Parece estranho que o projeto tenha tido interesse em reconhecer as funções dos militares estaduais como de natureza técnico-científico, com o objetivo de se lhes permitirem o acúmulo com outro cargo público de professor, com prevalência da atividade militar, que já resta assegurado pelo inciso XVI do caput do artigo 37[3], combinado com o § 3º do artigo 42[4] da Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional nº 101, de 03 de julho de 2019; mais estranho é o veto, justificando que isso “tornaria a exceção constitucional em regra”…

Infelizmente, pouco se avançou nas atribuições das polícias militares; o artigo 5º da lei praticamente reproduziu o que já se acha posto na Constituição da República.

Pouco se mitigou do paradigma da “polícia preventiva”, que ainda contamina a doutrina de segurança pública e dos campos do Direito Administrativo e Processual Penal, contrastando com a já consolidada doutrina da ação de repressão criminal imediata (LAZZARINI) e, principalmente com a realidade das centrais de atendimento (190) onde os chamados não são para prevenção, mas para repressão a crimes já ocorridos.

Esse avanço – ainda tímido – se vê quando o artigo 5º, IV, da nova lei estabelece que compete às polícias militares “realizar a prevenção dos ilícitos penais, com adoção das ações necessárias ao pronto restabelecimento da ordem pública”; veja-se que não foram utilizadas as expressões “repressão dos ilícitos penais” ou “repressão criminal”.

Mais que isso, a lavratura de termos circunstanciados de ocorrência, nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo não foi sequer objeto de atenção do legislador, que fez vistas grossas ao fato de que essa competência já se acha reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (ADIs nºs  6.245 e 6.264; julgadas em 22/02/2023, com análise de mérito e efeito vinculante) e pelo Conselho Nacional de Justiça (Procedimento de Controle Administrativo 0008430-38.2018.2.00.0000; julgado em 25/11/2020), e já implementada em 17 unidades da federação; talvez porque política seja a arte do possível e não do ideal…

Um avanço importante veio com o artigo 13, IX, que passou e exigir para a investidura no cargo de policial militar, na data de admissão, de incorporação ou de formatura, o grau de escolaridade superior, em sintonia com o artigo 15, I, que passa exigir aos Oficiais de polícia militar (tenente a coronel) o bacharelado em direito; com relação às Praças (soldado a subtenente), o inciso V, do artigo 15, exige aprovação em concurso público de nível de escolaridade superior ou possuidoras do respectivo curso de formação, desde que oficialmente reconhecido como de nível de educação superior, oferecido pelo sistema de ensino da instituição.

Talvez o grande avanço da lei, como norma geral que é e sem invadir o espaço de competência legislativa concorrente assegurado aos Estados e Distrito Federal, seja de estabelecer parâmetros mínimos e uniformes em toda a federação, num cenário em que a legislação dos Estados, a míngua de norma federal geral mais atualizada, era bastante diversificada. Assim, uniformizaram-se as competências das policiais militares nas atividades de polícia ostensiva rodoviária e de trânsito, bem como naquelas de proteção ambiental (lavrar auto de infração ambiental e aplicar as sanções e as penalidades administrativas).


Notas

[1] Art. 16, § 5º Se o ente federado não disponibilizar o curso que é requisito para a promoção ou não enviar o militar para realizá-lo em outra instituição militar, se forem atendidos os demais requisitos legais e houver vaga, é direito do militar ser promovido.

[2] § 7º A lei não imporá nem transferirá qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, sem a previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio, ressalvadas as obrigações assumidas espontaneamente pelos entes federados e aquelas decorrentes da fixação do salário mínimo, na forma do inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição.

[3] Art. 37: […] XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, […]: b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico.

[4] Art. 42. § 3º. Aplica-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios o disposto no art. 37, inciso XVI, com prevalência da atividade militar.

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18 comentários em “A Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares”

  1. Não melhor em absolutamente nada referente a atuação principalmente da polícia militar visto que tudo que contém nesse estatuto já vinha sendo praticado.o deveria ser adicionado seria mais poderes referente a confecção de b.o na hora da ocorrência pará assim facilitar o trabalho da polícia civil e adiantar o andamento com mais celeridade dos procedimentos futuros

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    • Somente de professor; isto já é assegurado pelo inciso XVI do caput do artigo 37, combinado com o § 3º do artigo 42 da Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional nº 101, de 03 de julho de 2019.

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  2. Falaram que colocariam um piso salarial único em todo os 27 estados e esqueceram, no Brasil os problemas das polícias são os salários que nunca foram o suficientes para um sustento de sua família sempre precisando fazer o famoso bico….

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    • Impossível falar de um “salário nacional”, porque somos uma República Federativa e, no federalismo, os Estados são dotados de autonomia (Art. 18 da CF).

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  3. No rio de janeiro não será aplicada essa nova lei pois o governador não costuma respeitar as leis como tem demostrado em relação aos policiais aposentados com direito a paridade como sempre foi..os policiais inativo podem só sofrer as sanções disciplinares se caso se envolverem em alguma ocorrência….

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  4. Eu não entendo o porquê de as polícias militares e polícias civis estaduais, desempenham o mesmo trabalho, têm as mesmas atribuições, e cada estado tem salários totalmente diferentes. O salário deveria ser nacional.

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    • Impossível falar de um “salário nacional”, porque somos uma República Federativa e, no federalismo, os Estados são dotados de autonomia (Art. 18 da CF).

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