Amauri Meireles
Coronel Veterano da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG).
Foi Comandante da Região Metropolitana de BH. Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública e
da Academia de Letras “Capitão Médico João Guimarães Rosa”
Em recente entrevista à revista Isto É, o novo ministro da justiça e segurança pública e assessores disseram, em relação à (in)segurança pública e, em particular, ao crime organizado, dentre outras coisas, que “não há soluções fáceis”, “é preciso asfixiar o crime organizado, retirando-lhe o dinheiro”, “é preciso que a gente olhe também para a desigualdade social”. A certa altura o repórter escreve que “a nova gestão ainda não delineou os projetos que pretende priorizar para debelar a crise de insegurança que toma conta dos brasileiros…”.
Começando minha manifestação pelo último assunto, é ótimo que os projetos não tenham sido delineados. Pelo menos, há a perspectiva de que pode surgir algo inédito, efetivo, e não a ressuscitação de jurássicos PRONASCIs, ineficazes GLOs e outras coisas do gênero. Há a esperança de que as pesquisas não abordem, apenas, “o quê” está acontecendo, mas, sobretudo, “por quê” está ocorrendo, isto é, quais as reais causas e efeitos da inquietante insegurança. E, dentro das alternativas de referência, que os planos, programas e projetos decorram da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (sic). Se ela é ruim, deficiente, inadequada que seja revisada, reestudada, atualizada.
De volta ao início da reportagem, de fato não há soluções fáceis, mas há soluções factíveis, que demandam vontade e inteligência (nos dois sentidos). É fundamental entender-se que a criminalidade, em geral, e a criminalidade violenta, em particular, não são questões, apenas, da área policial. Reitera-se a forma equivocada com que o problema vem sendo trabalhado: “cristalino problema sociopolítico vem sendo tratado como um macroproblema policial”. Significa dizer que é extremamente importante a elaboração de um Plano Pluriministerial, que não se ocupe tão somente de ações na causalidade (vértice onde atuam a Polícia), mas, também, identificando causas e efeitos e as medidas para mitigá-las. A coordenação pode ser do MJSP, mas a participação é de todos os ministérios. Sem isso, vamos continuar enxugando gelo.
Quanto ao eixo de suprimento do crime organizado, é notória a necessidade de se bloqueá-lo. Aliás, sobre isso, em 2020, escrevemos o artigo “Polícia 4.0” (disponível no Google), onde alertamos que “Levanta-se a tese de que, na questão das organizações criminosas (ORCRIM), podem surgir as ‘criminaltechs’, para dar suporte à criminalidade 4.0”. Ninguém se atreveu, ainda, a colocar o guizo no pescoço do gato. O ministro terá coragem para fazê-lo ou vamos continuar assistindo a periféricos paliativos?
Ao final da entrevista, muita indefinição e pouco conteúdo, um sucessor não segurou a veia populista, abordou a desigualdade social como causa da criminalidade. Caramba, esse trem já partiu! Além do mais, o tratamento desse fenômeno social não cabe ao MJSP, porque é, no máximo, um fator componente da criminalidade, mas, jamais, um fator determinante. Está mais do que provado que nem todo excluído social é bandido e nem todo bandido é excluído social. Há inúmeros países, com IDH (índice de desenvolvimento humano) e PIB muito menores do que os do Brasil, que têm ICrim (índice de criminalidade) bem menores que nosso país. É uma questão cultural: a criminalidade é diretamente proporcional ao volume de desobediência às regras sociais e ao desrespeito aos valores sociais.
E aí é que entra um problema multissetorial, que vem passando despercebido: a Distopia Estatal, ou seja, a ausência ou funcionamento anômalo de órgãos estatais, com destaque para os da assistência social e da educação. É notório que, quanto maior essa distopia, maior a demanda por Polícia, responsável por conter (diferente de impedir) a desordem, através da presença real ou potencial, inibindo vontades ou obstaculizando oportunidades.
Enfim, fica a expectativa de que essa nova equipe saiba estruturar corretamente o problema da (in)segurança criminal. Certamente, será um problema quase solucionado!…
redação
Últimas Postagens de: redação (Veja Todos)
- IBSP OUTORGA MEDALHAS DO MÉRITO ACADÊMICO PÓS-CONGRESSO - 28 de outubro de 2024
- ANAIS DO CONGRESSO IBSP SALVADOR 2024 - 22 de outubro de 2024
- VII CONGRESSO IBSP SALVADOR - 10 de outubro de 2024
Caro Coronel Amauri Meireles,
É com grande apreço que parabenizo pela profundidade e relevância do artigo “Expectativa na (In)segurança”, publicado em 22 de fevereiro de 2024. Sua análise perspicaz sobre os desafios enfrentados pela segurança pública no Brasil, e as reflexões propostas, não só evidenciam sua vasta experiência na área, mas também o compromisso inabalável com a busca de soluções inovadoras e eficazes.
O que mais chama atenção no artigo é a capacidade de transcender o debate tradicional sobre segurança pública, apontando para a necessidade de uma abordagem multissetorial e mais integrada. A ênfase na importância de não apenas reagir aos sintomas da criminalidade, mas de buscar entender suas causas raízes – incluindo fatores socioeconômicos e culturais – é particularmente notável. A ideia de que a solução para a insegurança não reside unicamente na esfera policial, mas sim numa colaboração pluriministerial, destaca uma visão holística e muito necessária para enfrentar os desafios complexos da nossa sociedade.
Além disso, a crítica construtiva à falta de definição de projetos por parte da nova gestão da segurança pública, bem como a esperança de que isso possa resultar em abordagens inovadoras, reflete um otimismo cauteloso que é tanto inspirador quanto necessário. A perspectiva de que podemos estar à beira de uma nova era na segurança pública, onde novas ideias e tecnologias possam ser empregadas para combater a criminalidade de forma mais eficiente e justa, é uma mensagem poderosa e urgente.
Continuando a linha de pensamento expressa em sua análise perspicaz, Coronel Meireles, gostaria de sugerir algumas contribuições que podem complementar e expandir as reflexões sobre as estratégias de segurança pública em nosso país.
Primeiramente, a integração de tecnologias emergentes, como big data e inteligência artificial, pode oferecer novas perspectivas na prevenção e combate ao crime, permitindo uma análise preditiva que antecipe tendências criminais e otimize a alocação de recursos policiais. Essa abordagem tecnológica, aliada ao respeito aos direitos de privacidade, pode revolucionar a maneira como entendemos e respondemos à dinâmica do crime.
Além disso, a adoção de políticas baseadas em evidências, comprovadamente eficazes em diferentes contextos, pode ser uma estratégia valiosa. Isso envolve desde o policiamento comunitário, que fortalece a relação entre a polícia e a comunidade, até programas focados na juventude e iniciativas de reinserção social, abordando as causas profundas da criminalidade.
Um enfoque preventivo, que vá além da repressão, é fundamental. Investir em educação, oportunidades de emprego e programas sociais pode reduzir significativamente as condições que favorecem a criminalidade. Essa abordagem exige uma colaboração multissetorial que envolva não apenas o setor de segurança pública, mas também outras áreas governamentais, como educação, saúde e desenvolvimento social.
A participação comunitária também é um pilar essencial nesse processo. Fomentar uma parceria sólida entre as forças de segurança e as comunidades pode não apenas melhorar a eficácia das ações policiais, mas também restaurar a confiança nas instituições de segurança, essencial para uma sociedade mais harmoniosa e segura.
Por fim, é crucial aprimorar a formação e capacitação dos profissionais de segurança, enfatizando a importância da ética, dos direitos humanos e da sensibilidade cultural. Compreender o contexto social e cultural em que o crime ocorre pode levar a abordagens mais efetivas e respeitosas.
Ao complementar sua análise, Coronel Meireles, com estas sugestões, espero contribuir para uma discussão mais rica e abrangente sobre como podemos enfrentar os desafios da (in)segurança no Brasil. Sua visão já ilumina importantes caminhos; essas contribuições visam apenas expandir o horizonte de possibilidades para uma segurança pública mais justa, eficaz e inclusiva.
Por fim, agradeço ao senhor por compartilhar esta contribuição valiosa ao debate sobre segurança pública no Brasil e pela disposição em compartilhar suas reflexões e experiências. Que seu artigo inspire outros profissionais da área e decisores políticos a adotarem uma visão mais ampla e colaborativa no enfrentamento dos desafios da (in)segurança em nosso país.
A esquerda sempre apresentou problemas em lidar com a segurança pública, pois parte de pressupostos falsos para implantar suas políticas públicas. Grosso modo, os formuladores partem de abstrações como capitalismo, desigualdade, pobreza etc, deixando de observar as causas eficientes da criminalidade, ou seja, os criminosos, que são tratados, pelo contrário, como vítimas sociais.