Negociação salarial e greve das polícias: Convenções 151 e 154 e a Recomendação 159 da OIT

Da Redação [1]

 

Infelizmente vemos repetir os tristes episódios de movimentos paredistas nas agências policiais brasileiras; destacam-se por seus efeitos danosos na ordem pública e no controle da criminalidade as paralisações nas polícias militares[2], porém, ainda que de impactos menos perceptíveis, também eles ocorrem nas polícias civis e polícia federal, na medida em que, sendo as responsáveis pela escrituração dos registros de prisões realizados pelos operacionais de polícia e, uma vez não o fazendo ou retardando-o, acabam por levar a um estrangulamento ou efeito gargalo, que resulta na imobilização das patrulhas policiais que, por fim, retroalimenta o ciclo de ascensão criminal de que já falávamos em 1999[3], pois que sem o mínimo de policiamento preventivo o ambiente se torna propício ao aproveitamento máximo pelos criminosos habituais (terra de ninguém; terra sem lei; caos).

Policiais, civis, militares e federais são mais que categorias profissionais, mas carreiras de Estado porque se enquadram constitucionalmente como órgãos encarregados da defesa do Estado e das instituições democráticas, cabendo-lhes a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. E nessa linha, recentemente o voto do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do Mandado de Injunção 774 conduziu o Plenário a decidir que, tal qual se proíbe textualmente aos militares, igualmente todas as categorias policiais são impedidas do exercício do direito de greve por “constituírem expressão da soberania nacional, revelando-se braços armados da nação, garantidores da segurança dos cidadãos, da paz e da tranquilidade públicas”.

Nos dias 11, 12 e 13 de abril de 2012, na cidade de Salvador, Estado da Bahia, por ocasião do XII Encontro Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (XII ENEME), discutíamos a questão da negociação de vencimentos, subsídios e proventos no setor público, particularmente em relação à categoria dos militares dos Estados e do Distrito Federal cabendo-me então apresentar ao debate e ao final redigir, aquela que foi chamada “CARTA DE SALVADOR” (Disponível em: http://www.feneme.org.br//th-arquivos/2012041646XII_ENEME_-_CARATA_DE_SALVADOR_2.doc).

Sustentamos que a Convenção nº 154, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o Incentivo à Negociação Coletiva, e a Convenção nº 151 seriam a alternativa para garantir às carreiras policiais o direito à negociação coletiva com o Estado. A tese parte do fato de que a Constituição Federal reconheceu os valores sociais do trabalho como um de seus fundamentos e o direito à sindicalização, à livre associação e à greve como instrumentos para sua proteção contra o arbítrio do poder econômico, ao mesmo tempo em que vedou aos militares – e agora o faz o Supremo Tribunal Federal às demais categorias policiais – o direito à greve; aos militares em particular até mesmo o direito à sindicalização, não suprimido às demais carreiras policiais.

Ocorre que a Convenção nº 154 e a Recomendação 159 da Organização Internacional do Trabalho sobre o Incentivo à Negociação Coletiva, concluída em Genebra, em 19 de junho de 1981, e aprovada pelo Decreto nº 1.256, de 29 de setembro de 1994, bem como a Convenção nº 151, vigente na ordem jurídica interna por força do Decreto-Legislativo nº 206, de 07 de abril de 2010, impõem à República Federativa do Brasil a edição de normas jurídicas capazes de estabelecer espaços de negociação coletiva como alternativa de ajustes democráticos das relações de trabalho no âmbito da Administração Pública. Militares e policiais não foram excluídos dos direitos previstos na Convenção n. 151 e na Convenção n. 154 da OIT, sendo legítimas suas associações como entidades representativas de seus interesses, para serem atores nos processos de negociação com o Estado-Empregador.

A Convenção nº 154, em seu Artigo 1º reserva que “a legislação ou a prática nacionais poderão determinar até que ponto as garantias previstas na presente Convenção são aplicáveis às Forças Armadas e à Polícia e que, no que se refere à administração Pública, a legislação ou a prática nacionais poderão fixar modalidades particulares de aplicação”, assim como o Artigo 1º, 3, da Convenção nº 151 determina que “será definida por leis ou regulamentos nacionais a extensão em que se aplicarão às forças armadas e à polícia as garantias providas nesta Convenção”. A República brasileira não apresentou qualquer reserva ou ressalva na aprovação dessas convenções, ao contrário, incorporou-as em sua ordem jurídica interna. Mais ainda, a Convenção nº 151 por seu artigo 3° definiu que se entende por “organização de servidores públicos” toda organização, qualquer que seja sua composição, cuja finalidade seja promover e defender os interesses de servidores públicos, daí concluir-se pela legitimidade das associações das categorias policiais militares e sindicatos e associações das demais carreiras policiais.

Na ocasião lembramos que experiências no âmbito internacional mostram que países da Europa, América Latina e Estados Unidos, também signatários das Convenções 151 e 154 da OIT, já implementaram normas reguladoras de processos de negociação coletiva entre o Poder Público e seus servidores, empregados públicos e forças de segurança e, no plano brasileiro, merece destaque a edição do Decreto nº 346, de 3 de fevereiro de 2012, do Governado do Estado do Pará, a partir de um acordo firmado com as associações representativas dos Policiais Militares Estaduais, no sentido de instituir o que foi denominado “Mesa Permanente de Negociação”, instituído como canal de diálogo, valorização e reconhecimento da atividade policial e de melhoria das condições de trabalho.

Um ponto que mereceria reflexão dos conferencistas foi a possibilidade de que os acordos firmados nesses canais de negociação entre o Poder Executivo e as categorias policiais poderiam ser inviabilizados ao longo do processo legislativo nos parlamentos; daí veio nossa derradeira proposta: que essas matérias resultassem em leis delegadas. Ora, Leis delegadas elaboradas pelos Chefes do Poder Executivo no âmbito dos Estados e Distrito Federal, após solicitação de delegação aos respectivos corpos legislativos, podem ser instrumentos normativos revestidos de legalidade para que representantes dos trabalhadores no âmbito da Administração Pública e os órgãos superiores do Poder Executivo formalizem negociações e as adotem, sem que se viole a pétrea cláusula da separação dos poderes e se incida em vício de iniciativa do processo legislativo.

Até que os Governos imprimam mais seriedade e respeito à segurança pública e aos seus trabalhadores, infelizmente a tendência é de que o cenário somente piore nesta Terra de Santa Cruz…

Notas

[1] por Azor Lopes da Silva Júnior, Doutor em Sociologia (Unesp), Mestre (Universidade de Franca) e Especialista (Unesp) em Direito. Advogado, Professor Universitário (UNIRP) e Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (ibsp.org.br). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6088271460892546.

[2] Da recente história destacamos: em 1997 o movimento grevista da Polícia Militar de Minas Gerais se expande para as corporações militares de outros 17 Estados (Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina e Sergipe). A partir daí vão se tornando mais frequentes as paralisações: maio de 2001 no Tocantins; julho de 2001 na Bahia; dezembro de 2008 em Santa Catarina; junho de 2010 os bombeiros militares do Rio de Janeiro; 29 de dezembro de 2011 no do Ceará; 31 de janeiro a 11 de fevereiro de 2012 novamente na Bahia; entre março e maio de 2014, em efeito cascata, houve greves das polícias militares do Maranhão, Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará. Em setembro de 2015 no Rio Grande do Sul; 04 a 11 de fevereiro de 2017, Espírito Santo; nos dias de hoje (janeiro 2018) o movimento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte.

[3] SILVA JÚNIOR, A. L.. Prática policial – um caminho para a modernidade legal. Revista Meio Jurídico, v. 36, p. 18-22, 2000.

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